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Em 1945, Graciliano Ramos, já consagrado escritor brasileiro, publicou Infância, um livro de memórias onde as fronteiras entre o ficcional e o autobiográfico se misturam na narrativa, desde a primeira lembrança infantil até os 11 anos da personagem central. O livro é muitas vezes entendido como relato denúncia da forma como se dava a educação brasileira, e o presente trabalho buscou analisá-lo sobre outra ótica, além de perceber as relações entre a sociedade e a literatura que se materializam na escrita do texto. Entendendo a literatura como o diálogo com a sociedade que a produz, a pesquisa voltou-se para os debates sobre a educação que acontecia nos anos de produção do livro e o lugar de Infância na literatura brasileira, como pertencente da corrente literária denominada “Romance de 30”, fundada sobre uma nova percepção da realidade. O Brasil, que nos anos de 1920 foi palco de utopias modernistas e modernizantes,figura, após a crise da bolsa nos Estados Unidos da América, um cenário de países que afundaram na recessão e no desemprego, presencia as sombras do fascismo e nazismo, o sentimento de catástrofe dado como algo iminente, e as ameaças latentes da guerra e da revolução. Uma onda de pessimismo e desespero tomou conta do mundo, tornando geral o sentimento de descrença no sistema liberal democrático que, até então, servia como modelo. E, no Brasil, ocorre uma bifurcação na sociedade: uma reação à extrema direita, materializada no fascismo, nazismo e integralismo, ou à esquerda na forma do comunismo ou bolchevismo. Diluídas as utopias modernistas, os intelectuais brasileiros precisam construir um novo horizonte, com base em novos ideais, em que dois caminhos se apresentam, e a escolha por um deles significa total afastamento do outro, assim, os intelectuais dos anos 30 estavam totalmente conectados a essa realidade política. A narrativa memorialista de Infância não nos remete somente ao fato lembrado e narrado, mas cria a possibilidade de deslocamento no tempo e no espaço, interconectando palavras e representações, correlacionando sentidos, abrindo perspectiva de acesso ao estudo do passado, bem como à ressignificação do lembrado que, encerrado na esfera do vivido, o acontecimento lembrado não tem limites, apresenta-se como uma chave para significar o antes e o depois. É assim que interpretamos as explicações dadas pela personagem-narrador, o cotidiano vivenciado é o de sua família, mas ali se materializam os elementos e contradições de toda uma sociedade brasileira que olha para si e tenta transformar a sua realidade. |
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