Title: | O campo fenomenal e a cegueira da tradição: as liçções da patolgia segundo Merleau-Ponty |
Author: | Pinto, Rafael Link |
Abstract: |
Na Phénoménologie de la perception se estabelece o projeto merleau-pontyano de retomada da perspectiva da experiência perceptiva, isto é, da percepção tal como ela é vivida num contato direto com o mundo. Para tanto, o filósofo francês assume a metodologia fenomenológica cuja proposta consiste em, por meio de um processo descritivo, suspender a validade ontológica do mundo objetivo que se sobrepõe ao mundo vivido na medida em que separa sujeito e mundo. Precisamente, neste intuito, Merleau-Ponty recorre à diversas descrições de quadros patológicos nas quais encontra ocorrências que não se deixam ser compreendidas segundo as interpretações fornecidas pelos modelos filosóficos clássicos, quais sejam, as diferentes versões tanto empiristas quanto intelectualistas acerca da percepção e da experiência de modo geral. Afinal, tais teorias já estariam fundadas sob o mesmo prejuízo clássico de um mundo em si perfeitamente explícito. Mas ao descrevermos isso que na patologia fracassa e que as explicações malogram em apreender, somos levados à apreensão tanto do modo pelo qual a percepção se desdobra no tempo quanto do que se trata propriamente o patológico. Contudo, esse esclarecimento só é possível desde o ponto de vista de ser no mundo enquanto campo prático no qual totalidades se estabelecem na medida em que nos dirigimos aos outros e aos objetos. Ora, se por um lado os fenômenos patológicos tornam-se ocasião para Merleau-Ponty atestar a insuficiência explicativa das doutrinas científicas e os modelos filosóficos pressupostos por essas, por outro, revelam a vigência de uma significação pré-objetiva, isto é, da atividade intencional ? que pela patologia encontra-se modificada ou comprometida. De onde se segue que, por meio da suspensão do prejuízo naturalista, a percepção, ao invés de ser explicada a partir de seus resultados, passa a ser descrita como modo temporal de acesso ao mundo vivido e, de um mundo, por sua vez, não mais como soma de objetos e sujeitos determinados, mas como horizonte latente de nossa experiência do qual não se pode prescindir. É justamente, a partir dos fenômenos patológicos que Merleau-Ponty intui a dimensão temporal da percepção enquanto articulação espontânea entre passado e futuro, na qualidade de horizontes inatuais em torno do presente. Além disso, como esses horizontes são generalidades impessoais compreendemos que a patologia de fato ocorre na intersecção entre os corpos envolvidos, ou seja, na coexistência ou intersubjetividade. Isto significa dizer que ?nossas? vivências no tempo retornam de modo impessoal, num evento atual, como indícios de um futuro possível, sem que um ato intelectual as tenha de representar e reunir parte por parte. Nesse sentido, ao considerar esse duplo horizonte presuntivo, o filosofo reconhece o irrefletido que permeia nossas ações e pensamentos o qual impede que esses sejam absolutos. Notamos assim, como a redução fenomenológica assume um estilo peculiar sob a pena de Merleau-Ponty, sobretudo se a pensarmos como uma releitura do legado de Husserl. Por fim, nos vemos diante da oportunidade de discutir a diferença entre o normal e o patológico em um diálogo travado entre Merleau-Ponty e Canguilhem em que cada qual, a seu modo, se opõe à tentativa de naturalização ou descontextualização do que viria a ser essa diferença.<br> Abstract : In Phénoménologie de la perception, it is established the merleau-pontyan project of resumption of the perceptual experience perspective, i.e., of the perception as it is lived in direct contact with the world. Therefore, the French philosopher assumes the phenomenological methodology whose proposal consists in, by means of a descriptive process, to suspend the ontological validity of the objective world that overlaps with the lived world insofar as it separates subject and world. Precisely in this sense, Merleau-Ponty refers to several descriptions of pathological pictures in which he finds occurrences that cannot be understood according to the interpretations provided by classical philosophical models, which are, the different empiricist and intellectualist versions of perception and experience generally. After all, such theories would already be founded under the same classic prejudice of a perfectly explicit world in itself. But in describing this which in pathology fails and which explanations fail to grasp, we are drawn to the apprehension both of the way in which perception unfolds in time and of what is properly the pathological. However, this enlightenment is only possible from the point of view of being in the world as a practical field, in which totalities are established insofar as we address others and objects. If, on the one hand, pathological phenomena become an occasion for Merleau-Ponty to attest to the explanatory insufficiency of scientific doctrines and the philosophical models presupposed by them, on the other hand, they reveal the validity of a pre-objective signification, i.e., of the intentional activity - that that is modified or compromised by the pathology. From which it follows that, through the suspension of naturalistic prejudice, perception, rather than being explained from its results, shall be described as a temporal mode of access to the lived world, a world, in turn, no longer as a sum of determined objects and subjects, but as a latent horizon of our experience, which one cannot do without. It is precisely from the pathological phenomena that Merleau-Ponty intuits the temporal dimension of perception as a spontaneous articulation between past and future, in the quality of unattached horizons around the present. Moreover, since these horizons are impersonal generalities, we understand that pathology actually occurs at the intersection between the bodies involved, that is, in coexistence or intersubjectivity. This means to say that \"our\" experiences in time return in an impersonal way, in an actual event, as signs of a possible future, without an intellectual act having to represent them and gather part by part. In this sense, in considering this double presumptive horizon, the philosopher recognizes the unthinking that permeates our actions and thoughts which prevents them from being absolute. We note, then, how the phenomenological reduction takes on a peculiar style under the pen of Merleau-Ponty, especially if we think of it as a re-reading of Husserl's legacy. Finally, we are faced with the opportunity to discuss the difference between the normal and the pathological in a dialogue between Merleau-Ponty and Canguilhem in which each, in its way, opposes the attempt to naturalize or decontextualize what would come to be this difference. |
Description: | Dissertação (mestrado) - Universidade Federal de Santa Catarina, Centro de Filosofia e Ciências Humanas, Programa de Pós-Graduação em Filosofia, Florianópolis, 2019. |
URI: | https://repositorio.ufsc.br/handle/123456789/211403 |
Date: | 2019 |
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