Tempo, redes e relações: uma etnografia sobre infância e educação entre os Calon

Abstract

Esta tese tem como proposta central refletir sobre os processos na concepção de infância entre os Calons e na compreensão na produção de pessoas numa perspectiva relacional, fundamentada na dupla articulação entre socialidade e consanguinidade. Essa diferença é performada e negociada em vários contextos do cotidiano da pessoa Calon, a partir da tentativa de negociações entre práticas Calon e práticas Juron (não ciganas). As crianças e adultos vão negociando dentro de um processo de ensino e aprendizagem o que é ser Calon. A pesquisa foi desenvolvida ao longo de cinco anos, entre 2013 e 2018, em dois contextos articulados que situo como núcleo do que denomino Rede Calon familiar. O primeiro desses contextos, o município de Mamanguape, na região da Costa Litorânea Norte da Paraíba, e o segundo no município de Sousa, na região do Sertão, do mesmo estado. Esses contextos configuram um circuito de fluxos contínuos de pessoas Calon (familiares e parentes), que denomino, aqui, Rede da Costa e Rede do Sertão, respectivamente. A etnografia foi realizada numa perspectiva que apresento como etnografia itinerante pela dinâmica de idas e vindas; a pesquisa de campo se construiu a partir da observação participante entre os locais de circulação das Redes e em uma escola de Educação Infantil e Ensino Fundamental (com crianças ciganas e não ciganas). Neste fazer etnográfico, adotei a utilização das técnicas como conversas informais com crianças e adultos, a utilização de desenhos com crianças, em ambos os contextos e registro fotográfico. A partir desse conjunto de experiências, considero que as noções e práticas discursivas manejadas pelos Calons se estabelecem a partir de dois registros, aqui chamados de idioma do sangue e idioma da socialidade. São esses dois aspectos articulados que constituem os modos de produção da pessoa, que vão sendo marcados ritualmente através da passagem do tempo e dos períodos da vida dos sujeitos. A partir da noção de tempo da parada (relacionado ao momento em que estes Calon passam a residir nestes respectivos contextos) procuro descrever como esse processo, de produção de pessoa Calon, vai transformando os significados geracionais sobre a categoria de infância, assim como vão ganhando significados em cada Rede. Descrevo sobre a maneira como as Redes negociam os fluxos entre pessoas na formação de suas Redes, como estabelecem dinâmicas que aproximam e distanciam pessoas numa dimensão de gradiente Calon. O argumento da tese é que o tempo de parada dos Calons cria significados que são estabelecidos a partir de um conhecimento experenciado na Rede Calon Familiar que se constitui de maneira simétrica com pessoas. Essa Rede Calon também opera através de micro redes de negócios que se estabelecem de maneira assimétrica e fomentam a economia. Estas relações vão ressignificando concepções que fundamentam a vida Calon em cada contexto a partir do tempo de parada. Essas noções possuem uma mobilidade dinâmica operante nas concepções determinadas por um conjunto de expectativas que dizem respeito à constituição de um modo pleno de vida pautado pelo casamento e filiação, informando pouco sobre um sentido cronológico do tempo. O processo de escolarização, nesse sentido, participa como um instrumento de produção de diferenças na medida em que o cuidado doméstico com as crianças e a perspectiva Juron são pautados por valores divergentes. A ideia estatal de uma educação para todos encontra seus limites nas experiências múltiplas de infância, criando tensões nas compreensões interna e externa sobre o papel da escola e da família, sobre os compromissos pactuados e sobre as próprias noções de pessoa e infância manejados pelos Calons.<br>

Abstract : This thesis has as its main proposal to reflect on the processes in the childhood conception among the Calon and on the understanding in the production of people in a relational perspective, based on the double articulation between sociality and consanguinity. This difference is performed and negotiated in various contexts of the Calon person's daily life, from the attempt to negotiate between Calon practices and (non- gypsy) Juron practices. Children and adults are negotiating within a teaching and learning process what is to be Calon. The research was developed over five years, between 2013 and 2018, in two articulated contexts that I denominate as the core of what I call family Calon Network. The first of these contexts, Mamanguape city, in the North Coast Coastal region of Paraíba, and the second in the town of Sousa, located in the Sertão region, in the same state. These contexts configure as a continuous circuit flows of Calon people (family and relatives), which I call, here, Rede da Costa and Rede do Sertão, respectively. The ethnography was performed in a perspective that I present as itinerant ethnography through the dynamics of comings and goings; The field research was built from the participant observation between the circulation sites of the Networks and in a preschool and elementary school (with gypsy and non-gypsy children). Also, in this ethnographic work, I adopted the informal techniques such as: conversations with children and adults, the use of drawings with children in both contexts and photographic record. From this set of experiences, I consider that the discursive notions and practices managed by the Calon are established from two records, here called the blood language and sociality language. It is these two articulated aspects that constitute the modes of production of the person, which are ritually marked through the passage of time and periods of the subjects' life. From the notion of stop time (related to the moment when these Calon come to reside in these respective contexts) I try to describe how this process, person production Calon, is transforming the generational meanings about the category of childhood, as well as they are gaining meanings in each Network. I describe how the Networks negotiate the flows between people in their Networks formation, how they establish dynamics that brings people closer and further apart in a Calon gradient dimension. The argument of the thesis is that Calon stopping time creates meanings that are established from a knowledge experienced in the Calon Family Network, which is symmetrically composed of people. This Calon Network also operates through small networks that are asymmetrically established and fuel the economy. These relationships reframing conceptions that ground Calon life in each context from the stopping time. These notions have a dynamic mobility operating in the conceptions determined by a set of expectations that concern the constitution of a full way of life based on marriage and affiliation, informing little about a chronological sense of time. The schooling process, in this sense, participates as an instrument of production of differences as domestic care with children and the Juron perspective are guided by divergent values. The education state idea for all finds its limits in the multiple experiences of childhood, creating tensions in internal and external understandings as the role of school and family, the agreed commitments, and the very person and childhood notions handled by the Calon.