Poéticas da memória para um jornalismo contemporâneo: políticas da escrita em livros jornalísticos sobre a ditadura civil-militar brasileira

Abstract

Publicados antes e depois da criação da Comissão Nacional da Verdade, livros jornalísticos sobre histórias da ditadura civil-militar brasileira sugerem a possibilidade de análise da relação entre narrativas da memória e políticas da escrita. Esta tese procura reconhecer como se dá essa relação, tendo como foco os modos do (in)dizível e do (in)visível. Isto posto, pensa-se em possibilidades e potencialidades estético-políticas do jornalismo na (re)configuração do social. Tal reflexão incide sobre seu papel como possível provocador de afetividades, sensibilidades e subjetivações outras relacionadas ao tema da ditadura e da própria vida. O referencial teórico-metodológico abarca um diálogo com as contribuições de Jacques Rancière e de Cremilda Medina, entre outros autores. Foram analisados três livros jornalísticos: ?Seu amigo esteve aqui?, de Cristina Chacel (2012); Cova 312, de Daniela Arbex (2015); Kaddish, de Ana Castro (2018). As narrativas da memória são tomadas como ficções documentais no seu sentido poético, isto é, enquanto criações e composições inseridas no regime estético pensado por Rancière. Movimentos afetivos inspirados na cartografia e na proposta ranceriana do método da igualdade integram os procedimentos metodológicos. Tais encontros e desencontros com a memória permitem perceber vidas transformadas em ícones de resistência, sentir quaisquer sujeitos como partícipes dos acontecimentos e, por intermédio de suas experiências e afetos, fazer um balanço do que foi a ditadura no Brasil. Desse modo, as existências antes silenciadas podem não mais aparecer como pontos obscuros em cenas do passado, mas vidas inscritas em mundos possíveis compartilhados.

Abstract: Published before and after the creation of the Comissão Nacional da Verdade (National Truth Commission), journalistic books on stories of resistance to the Brazilian civil-military dictatorship suggest the possibility of analyzing the relationship between narratives of memory and writing policies. This thesis seeks to recognize how this relationship occurs, focusing on the modes of the (un)speakable and the (in)visible. That said, we think about the possibilities and potentialities of aesthetic-political journalism in the (re)configuration of the social. Such reflection focuses on its role as a possible provoker of affectivities, sensitivities and other subjectivities related to the theme of dictatorship and life itself. The theoreticalmethodological framework includes a dialogue with the contributions of Jacques Rancière and Cremilda Medina, among other authors. Three journalistic books were analyzed: ?Seu amigo esteve aqui? (?Your friend was here?), by Cristina Chacel (2012); \"Cova 312\" (\"Grave 312\"), by Daniela Arbex (2015); Kaddish, by Ana Castro (2018). The memory narratives are taken as documentary fictions in their poetic sense, that is, as creations and compositions inserted in the aesthetic regime thought by Rancière. Affective movements inspired by cartography and the rancerian proposal of the equality method are part of methodological procedures. Such encounters and mismatches with memory allow us to perceive lives transformed into icons of resistance, to feel any individual as participants in events and, through their experiences and affections, to the sense of what was the civil-military dictatorship in Brazil. In this way, existences previously silenced may no longer appear as obscure points in scenes from the past, but lives inscribed in possible shared worlds.