Teoria discursiva do direito em Habermas e a tensa relação entre integração social e liberdade jurídica

Abstract

Este trabalho se estrutura em torno da hipótese segundo a qual a partir da teoria discursiva do direito de Jürgen Habermas seria possível afirmar que o direito possui potencial para gerar integração social mesmo nos âmbitos dominados pela ação estratégica e pela persecução de interesses individuais, tal qual as relações estritamente econômicas. Trata-se de estudo que contrasta com o fato de o autor não ter se dedicado, em nenhuma de suas obras, a tratar especificamente de temas ou institutos de direito positivo propriamente dito e, quando o fez, o posicionamento foi crítico, apresentando-se o direito como meio de institucionalização do sistema econômico capitalista e infiltração de seus imperativos no mundo da vida. Isso é corroborado pelo papel colateral (ainda que não necessariamente negativo) atribuído ao direito positivo no quadro geral da teoria discursiva do direito de Habermas, como um possível produto do processo democrático de legislação, sem conteúdo previamente dado. Assim, o que se segue na obra de 1992 é a tematização do modo de constituição da ordem jurídica e da estruturação do Estado de Direito a fim que se gere produtos legítimos, sejam eles concretizados em normas de direito púbico ou privado. Não obstante, defende-se que o direito positivo não pode ser compreendido isoladamente, como se fosse uma categoria apartada dos fins visados pela teoria discursiva do direito de Habermas, especialmente no que diz respeito (i) à intersubjetividade que informa os sistemas de direitos discursivamente constituídos, (ii) ao suprimento das sobrecargas cognitivas, motivacionais e organizatórias decorrentes do alto nível de complexidade das sociedades pós-tradicionais e (iii) à função de domesticação e controle dos imperativos sistêmicos pelo direito apresentada por Habermas em ?Direito e Democracia?. Assim, diante da perda dos referenciais éticos para as relações sociais e dos constantes ataques da burocracia estatal e do mercado endereçados ao Estado Democrático de Direito através dos meios do dinheiro e do poder, o direito positivo não só estaria incluído no abrangente projeto procedimental habermasiano de garantir um nível abstrato de solidariedade por meio do direito, mas também seria um produto deste. Para demonstrar a plausibilidade destas afirmações, esta dissertação percorre as distintas posições de Habermas quanto ao direito, de modo a evidenciar a passagem de uma concepção que o tem como estrutura da sociedade capitalista, para um estágio em que o direito é apresentado como solução funcional para os problemas de integração social que decorrem da diferenciação dos sistemas da economia e da burocracia, atuando como mediador das interferências e ameaças por eles direcionadas ao mundo da vida. Aliás, este posicionamento do direito como medium entre sistema e mundo da vida, bem como a tensão entre facticidade da imposição do direito e a validade por ele pretendida, dão ensejo à articulação da tensão entre liberdade jurídica e integração social no interior do direito, cuja estabilização interna (a nível teórico) e externa (em processos políticos efetivos) são investigadas neste trabalho sob as lentes da teoria discursiva do direito, com a finalidade de verificar as possibilidade de que o direito positivo constitua um produto legítimo do processo democrático de legislação, e nessa condição, habilite-se a cumprir aquela função socialmente integradora inicialmente idealizada.

Abstract: This text is structured around the hypothesis that, based on Jürgen Habermas' discourse theory of law, it would be possible to affirm that law has the potential to generate social integration even in areas dominated by strategic action and the pursuit of individual interests, such as strictly economic relations. This is a study that contrasts with the fact that the author has not dedicated himself, in any of his works, to dealing specifically with positive law issues or institutes, and when he did, the position was critical, presenting the law as a means of institutionalizing the capitalist economic system and infiltrating its imperatives in the Lifeworld. This is corroborated by the collateral role (although not necessarily negative) attributed to positive law in the general framework of Habermas' discourse theory of law, as a possible product of the democratic process of legislation, without previously given content. Thus, what follows in the 1992 book is the thematization of the way of constituting the legal order and the structuring of the rule of law in order to generate legitimate products, whether they are embodied in public or private law rules. However, it is argued that the positive law cannot be understood in isolation, as if it were a category apart from the aims pursued by Habermas' discourse theory of law, especially with regard to (i) the intersubjectivity that informs discursively constituted rights systems, (ii) the supply of cognitive, motivational and organizational burdens resulting from the high level of complexity of post-traditional societies and (iii) the function of domestication and control of systemic imperatives by law presented by Habermas in ?Between facts and norms?. Thus, in the face of the loss of ethical references for social relations and the constant attacks by the state bureaucracy and market addressed to the Democratic Rule of Law through the means of money and power, positive law would not only be included in the comprehensive habermasian procedural project of guarantee an abstract level of solidarity through the law, but it would also be a product of it. To demonstrate the plausibility of these statements, this dissertation goes through the different positions of Habermas regarding the law, in order to show the passage from a conception that has the law as a structure of capitalist society to a stage in which the law is presented as a functional solution for the problems of social integration that result from the differentiation of the systems of the economy and the bureaucracy, acting as a mediator of the interferences and threats directed by them to the Lifeworld. In fact, this positioning of law as a medium between the system and the Lifeworld, as well as the tension between the facticity of the imposition of law and the validity it seeks, give rise to the articulation of the tension between legal freedom and social integration within the law, whose internal (at a theoretical level) and external (in effective political processes) stabilization are investigated in this work under the lens of the discourse theory of law, with the aim of verifying the possibility that positive law constitutes a legitimate product of the democratic process of legislation, and in that condition, qualify and fulfill that socially integrating function initially conceived.