Abstract:
|
A pergunta sobre qual é a ‘mobília da realidade’, isto é, sobre quais são os componentes do
mundo em que estamos, é antiga e até hoje não respondida de maneira definitiva. A ciência,
sobretudo a física, se ocupa disso e tenta criar modelos explicativos – hoje muito sofisticados
e capazes de previsões com uma incrível precisão –, porém ainda há peças não muito bem
encaixadas. Há inclusive cientistas os quais não pensam em seus trabalhos como descrições
da natureza, mas como abstrações as quais, de alguma forma, parecem funcionar, relegando
aos filósofos as investigações ontológicas. Filósofos tão curiosos e confusos quanto, pois se,
como muitos defendem, a metafísica estiver de fato subdeterminada pelas teorias científicas
– ou seja, a teoria seria incapaz de instruir qual a metafísica adequada, por ser compatível
com pelo menos duas ontologias distintas –, a tarefa não deve mesmo ser simples. Assim
sendo, aqui veremos uma breve discussão sobre critérios mínimos a se levar em conta
ao se tentar fazer um modelo ontológico adequado para os objetos de estudo da física
quântica. Serão analisadas algumas características sugeridas por filósofos acerca desses
modelos, levando-se em consideração a física dita ‘moderna’ e outros estudos lógicos e
ontológicos. Um dos conceitos que mais receberão enfoque neste trabalho é o de identidade,
amplamente discutido e raramente prescindido. Analisaremos a necessidade da utilização
do conceito intuitivo de identidade na física, em especial na mecânica quântica (em que os
objetos de estudo apresentam comportamentos contraintuitivos e distantes daquilo que
experienciamos costumeiramente), sendo também considerada a possibilidade de adotarmos
outra definição. Esse questionamento foi fortalecido devido a supostas incoerências entre
o que dizem as teorias físicas e a lógica e a matemática a elas subjacentes. A lógica
clássica e a teoria usual de conjuntos (Zermelo-Fraenkel) – sobre as quais foi desenvolvido
o formalismo matemático da física quântica – têm como consequência o Princípio de
Identidade dos Indiscerníveis, segundo o qual não existiriam dois objetos completamente
iguais. Em princípio, para serem dois objetos, deve haver alguma diferença entre eles, caso
contrário (na circunstância de serem idênticos), não seriam dois, mas apenas um objeto.
Argumentaremos que física, pelo contrário, descreve a existência de objetos indiscerníveis
entre si, sendo vários, não apenas um, o que traz à tona a discussão filosófica sobre a
identidade. Uma alternativa é a adoção de uma nova lógica/matemática, caracterizada
pela ausência de generalidade na aplicação do Princípio de Identidade, a qual seja capaz
de lidar com objetos indistinguíveis (como os estudados pela mecânica quântica), o que
parece ser mais compatível tanto lógica quanto ontologicamente com aquilo que nos diz a
física. Porém, antes de partirmos para essa atitude um tanto quanto drástica, devemos
avaliar se, de fato, estamos justificados em fazê-lo, principalmente ao também levarmos
em consideração outras propriedades de tais objetos. |