Abstract:
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Na virada da década de 1930, o lógico austríaco Kurt Gödel, no auge de seus 24 anos,
abalou as bases fundacionais da Matemática, ao apresentar aquilo que viriam a chamar
de seus teoremas de incompletude. Segundo eles, qualquer sistema formal capaz
de descrever uma porção mínima de aritmética elementar deve conter sentenças impossíveis
de ser demonstradas—em particular, sentenças que afirmam a consistência
de um tal sistema são indemonstráveis. Essa descoberta pôs em xeque todos os esforços
da comunidade matemática fundamentalista à época, que, na tentativa de escapar
dos paradoxos e antinomias inerentes à teoria dos conjuntos de Cantor, procurava
por uma axiomatização completa e garantidamente consistente para as mais diversas
áreas da Matemática. Nesse sentido, o objetivo inicial do presente trabalho é apresentar
uma prova detalhada dos teoremas de incompletude, desde a construção de um
sistema formal específico (chamado de Aritmérica de Peano, ou simplesmente PA) até
a construção de algumas sentenças indecidíveis. Para isso, montamos todo o arsenal
necessário para atacar problemas de indecidibilidade — como os conceitos equivalentes
de máquinas de Turing e funções recursivas; o fato de que toda função recursiva
pode ser representada em PA; e que a linguagem utilizada está em correspondência
com os números naturais (de modo que podemos construir sentenças aritméticas que
falam sobre a aritmética). Com isso, pretendemos desmistificar os significados dos
teoremas de incompletude, dirimindo algumas das (muitas) interpretações errôneas
que estes receberam ao longo do século. Nosso segundo (e principal) objetivo concerne
o aspecto metalinguístico dos exemplos originais de Gödel e Rosser: ambas
estas sentenças, bem como as sentenças que afirmam a consistência de PA, dizem
algo sobre elas mesmas, ou sobre o próprio sistema em que estão inseridas. Nesse
sentido, mais comum do que matemáticos que desconhecem os teoremas de Gödel
são os matemáticos que os negligenciam, pois eles também desconhecem o fato de
que várias sentenças não-metalinguísticas (i.e., que ocorrem “naturalmente” nas áreas
matemáticas usuais, i.e., fora da lógica-matemática e da teoria dos conjuntos) já tiveram
sua indecidibilidade comprovada. Nossa tese, portanto, se dá ao mostrarmos
exemplos de tais sentenças, ao mesmo tempo em que tentamos distinguir o que são
sentenças que ocorrem “naturalmente” na Matemática. |