Efeito do medo nas respostas comportamentais do boto-cinza (Sotalia guianensis) ao playback do boto-da-tainha (Tursiops truncatus gephyreus)

Abstract

Mudanças comportamentais resultantes do medo da predação podem ter maiores consequências evolutivas que a predação em si. As reações de um indivíduo ao se deparar com uma ameaça natural, como um grande competidor ou predador/agressor, pode moldar a organização e o comportamento social de uma população. Duas espécies de cetáceos, o boto-cinza (Sotalia guianensis) e o boto-da-tainha (Tursiops truncatus gephyreus) co-ocorrem em uma região costeira no Sul do Brasil, a Baía Norte da Ilha de Santa Catarina. Apesar da simpatria em uma escala regional, são poucos os registros de encontro entre indivíduos das duas espécies, sendo um destes registros uma descrição de comportamento agonístico dos botos-da-tainha sobre os botos-cinza. O boto-cinza pode ser avistado ao longo de todo o ano na área, geralmente reunidos em um grande e coeso grupo de aproximadamente 100 indivíduos, sendo essa a população residente mais austral da espécie. Já os botos-da-tainha, avistados em pequenos grupos de até 12 indivíduos, apresentam registros mais esporádicos no interior da Baía Norte, com aparente partição de habitat em relação ao boto-cinza. Essa diferença de ocupação da área por ambas espécies pode estar relacionada a fatores ecológico-comportamentais, tais como competição por recursos e agressão interespecífica. Nesse sentido, este estudo investigou se a presença do boto-da-tainha influencia padrões espaciais e comportamentais do grupo de boto-cinza. Para isso, foi realizado um experimento de exposição controlada (ECC), onde foram avaliadas as respostas comportamentais de superfície do boto-cinza, antes, durante e após exposição a playbacks que simulam a presença dos botos-da-tainha. Para tal, foram realizadas saídas embarcadas sistemáticas para coleta de imagens aéreas com um drone e exposição do playback. As imagens aéreas foram analisadas para obtenção dos dados de coesão e sincronia de direção de deslocamento entre indivíduos, bem como os estados e eventos comportamentais realizados pelos botos-cinza. A partir dos dados de deslocamento do drone, analisamos a distância percorrida e a velocidade de deslocamento dos botos-cinza. Todas as métricas analisadas apresentaram um aumento durante e após as exposições sonoras, indicando uma resposta de proteção coletiva e fuga/evasão dos botos-cinza diante da presença simulada de um potencial agressor. Nesse sentido, os efeitos do medo relacionados ao risco de uma agressão podem ser os principais motivadores da segregação espacial observada entre as duas espécies na região.

Abstract: Behavioral changes resulting from fear of predation may have greater evolutionary consequences than predation itself. An individual reactions when faced with a natural threat, such as a major competitor or predator/aggressor, can shape the organization and social behavior of a population. Two cetacean species, Guiana dolphin (Sotalia guianensis) and bottlenose dolphin (Tursiops truncatus gephyreus) co-occur in a coastal region in southern Brazil, the North Bay of Santa Catarina Island. Despite theis co-occurrence on a regional scale, there are only a few encounter records between individuals of the two species, one of which is a description of an agonistic behavior from bottlenose dolphins over Guiana dolphins. Guiana dolphins can be seen throughout the year in the area, usually gathered in a large and cohesive group of approximately 100 individuals, this being the southernmost resident population of the species. Bottlenose dolphins, seen in small groups of up to 12 individuals, have more sporadic records in the interior of the North Bay, with an apparent partition of habitat in relation to Guiana dolphins. This difference in area occupation by both species may be related to ecological-behavioral factors, such as competition for resources and inter-specific aggression. In this sense, this study investigated whether the presence of bottlenose dolphins would influence spatial and behavioral patterns of Guiana dolphins group. In order to do that, a controlled exposure experiment (CEE) was carried out, in which the behavioral responses of Guiana dolphins were evaluated, before, during and after exposure to playback sounds that simulate the presence of bottlenose dolphins. To this end, systematic surveys were taken to collect aerial images with a drone and display the playback. Aerial images were analyzed to obtain data on cohesion and displacement synchrony between individuals, as well as behavioral states and events carried out by Guiana dolphins. From the drone's displacement data, we analyzed the distance covered and the travel speed of Guiana dolphins. All the metrics analyzed showed an increase during and after the sound exposures, indicating a collective protection response and escape/evasion of Guiana dolphins in the face of simulated presence of a potential aggressor. In this sense, fear effects related to the risk of aggression may be the main drivers for the spatial segregation observed between the two species in the region.