Biopreparação enzimática de malha de algodão: avaliação de parâmetros processuais e reúso da solução enzimática

Abstract

O tecido de algodão cru contém 4-12 % de impurezas (gorduras, ceras, pectinas, proteínas, etc.) e pigmentos (flavonoides) naturais, que dão uma natureza hidrofóbica e uma coloração indesejada, dificultando o tingimento têxtil. Esses constituintes não celulósicos são comumente removidos pela combinação de purga alcalina com hidróxido de sódio e de branqueamento com peróxido de hidrogênio, em altas temperaturas e acompanhados de volumosa lavagem, que podem causar problemas ambientais e danos às fibras. Diante disso, o objetivo deste trabalho foi usar enzima como agente para a biopreparação do algodão. Inicialmente, foi medida a atividade de uma pectato liase comercial (BioPrep® 3000 L) em diferentes condições de temperatura (40, 50 e 60 °C), pH (7, 8 e 9) e concentração de surfactante não iônico (0,0; 0,5 e 1,0 g/L), utilizando um planejamento fatorial e visando à estratégia futura de biopurga têxtil. Depois, a enzima (1,0; 5,0 e 10,0 g/L) foi empregada na biopurga de tecidos de malha 100 % algodão por 30 minutos, em condições ótimas previamente estabelecidas de 55 °C e pH 8,5, sob uma variedade de possibilidades de pós-tratamento com variação da temperatura (55, 70 e 90 °C) e da concentração de surfactante (0-1,0 g/L). A pectinase também foi avaliada quanto ao seu potencial para a biopurga com reutilização do banho enzimático. A solução aquosa com BioPrep® 3000 L foi reutilizada dez vezes e apenas 10 %, em volume, foi restituído com solução nova de enzimas em cada novo ciclo. Finalmente, a capacidade de branqueamento da lacase Novozym® 51003 (55 °C, pH 5, 30 min) foi testada, em alternativa ao branqueamento químico, a fim de eliminar as substâncias coloridas do algodão cru. As amostras tratadas foram caracterizadas quanto à perda de massa, teor de pectina, absorção de água, índices de branco, amarelo e claridade, espectroscopia infravermelha, morfologia e tingimento. Concluiu-se que os efeitos dos fatores pH, temperatura e concentração de surfactante foram estatisticamente significativos à atividade da pectinase. Esses resultados proporcionaram suporte aos experimentos pósteros de biopurga, onde alto nível de limpeza e boa molhabilidade (?5 s) do tecido de malha de algodão foram alcançados na concentração de enzima mais baixa (1 g/L). Verificou-se que uma concentração de surfactante de 0,2 g/L e uma temperatura de lavagem de 70 °C, após a biopurga, tiveram um grande impacto na remoção de ceras e gorduras da superfície do algodão e foram adequadas para conferir alta hidrofilidade (5,47 ± 0,76 s) com baixa perda de massa (2,57 ± 0,09 %). Quantidades consideráveis de substâncias pécticas (?95 %) foram digeridas pela pectinase, mesmo com o reúso do caldo enzimático em dez vezes. Os constituintes não celulósicos foram removidos da cutícula e da parede primária do algodão, com destruição leve ou não detectável das fibras. Essas alterações composicionais foram associadas à melhoria das propriedades de absorção de água das amostras e resultaram em uma absorção muito boa de corante, em todos os tratamentos. A capacidade de tingir das malhas biopurgadas (K/S = 5,46 ± 0,21) foi tão boa quanto as malhas alcalinas (K/S = 4,91 ± 0,45), com valores de K/S ligeiramente mais altos. O grau de branco dos tecidos, no entanto, era pouco (32-35 graus Berger). Os experimentos com a enzima lacase demonstraram que há apenas um semibranqueamento (?36 graus Berger) com lacase e investigações futuras são necessárias. De acordo com buscas anteriores na literatura, esta é a primeira tentativa detalhada de biopurga com reaproveitamento do banho e das enzimas, contribuindo assim para a economia de água e do processo. Reutilizando o banho de biopurga, se possibilitará uma diminuição no consumo intensivo de insumos e na geração de águas residuais, por meio de uma técnica economicamente atraente, simples, promissora e sustentável. O processo demonstrou possuir eficácia comparável à da purga alcalina convencional e há viabilidade de aplicação industrial. Essa abordagem poderá ajudar a impulsionar os processos biotecnológicos nas indústrias têxteis.

Abstract: Raw cotton fabric contains 4-12 % (w/w) of impurities (waxes, pectins, proteins, etc.) and natural pigments (flavonoids), which give it a hydrophobic nature and an unwanted color, difficulting the coloration and finishing textiles. These non-cellulosic constituents are commonly removed by a combination of alkaline scouring with sodium hydroxide and hydrogen peroxide bleaching, at high temperatures and followed by several washing steps, that can cause damage to fibers and the environment. Given this, the main objective of this was to evaluated enzyme efficiency as an agent for biopreparation of cotton. Initially, a factorial experimental design was used to evaluate the activity of a commercial pectate lyase (BioPrep® 3000 L) at different reaction conditions of temperature (40, 50, and 60 °C), pH (7, 8, and 9), and nonionic surfactant concentration (0.0, 0.5, and 1.0 g/l), aiming at the future strategy of textile bioscouring. Bioscouring experiments of knitted cotton fabrics were carried out at different enzyme concentrations (1.0, 5.0, and 10.0 g/l) for 30 minutes at previously established optimum enzyme activity conditions of 55 °C and pH 8.5, and with varying post-treatments including effects of temperature (55, 70, and 90 °C) and surfactant (0-1.0 g/l). Furthermore, the reuse of the bioscouring bath was evaluated. The aqueous solution with BioPrep® 3000 L was reused ten times and only 10 % by volume was completed with fresh enzyme solution in each new cycle. Finally, bleaching of knitted cotton fabric with laccase Novozym® 51003 was investigated at 55 °C, pH 5 for 30 min, as an alternative to chemical bleaching, in order to reduce the coloring matter from raw cotton. The treated samples were characterized in terms of weight loss, whiteness index, water absorption, pectin content, morphology, FTIR spectrum, and dyeability. It was found that all three factors temperature, pH, and nonionic surfactant concentration had a statistically significant influence on the activity of the pectate lyase. These results provided substantial support for the subsequent bioscouring assays, where a high level of cleanliness and good wettability (?5 s) of knitted cotton fabric at the lowest enzyme concentration (1 g/l) were achieved. A surfactant concentration of 0.2 g/l and a washing temperature of 70 °C, after bioscouring in the post-washing step, were found sufficient to aid in the removal of waxes and fats from the cotton surface and were adequate to achieve high hydrophilicity (5,47 ± 0,76 s) at low weight loss (2,57 ± 0,09 %), unlike other bioscouring studies that used temperatures equal or higher than 80 °C. Considerable amounts of pectic substances (?95 %) were digested by pectinase, even with the reuse of the enzyme bath up to ten times. The non-cellulosic constituents were removed from the cuticle and primary cell wall of the cotton, with slight or not detectable destruction of the fibers. The compositional changes were associated with the improvement of water absorption properties of the samples and resulted in a very good dye absorption, in all treatments. The dyeability of bioscoured fabrics (K/S = 5,46 ± 0,21) was as good as that of alkaline treated swatches (K/S = 4,91 ± 0,45), with slightly higher K/S values. Whiteness, however, was low (32-35 Berger degrees). The laccase bleaching experiments have only resulted in semi-bleaching (?36 Berger degrees), and future investigations are needed. According to our knowledge based on previous literature reports, this is the first detailed investigation of the reuse of bioscouring baths, thus helping to reduce cost and aid in water conservation. Reusing bioscouring baths, diminishes significantly the consumption of inputs materials and the and generation wastewater, and is an economically attractive, promising, and sustainable approach. In general, bioscouring developed in this study has demonstrated efficacy comparable to conventional alkaline scouring and potential for industrial application.