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Esta história nasceu quando outra morreu.
Minha intenção original era escrever um quadrinho autobiográfico intitulado Neblina. No
final de abril de 2018, minha madrinha faleceu depois de mais de uma década batalhando com o
câncer. A história se passaria alguns dias antes, no dia 9 de abril, a última vez que eu a vi. Quase
toda a família se reuniu naquele dia, para passar um tempo junta. Eu ainda consigo ver a
narrativa claramente na minha cabeça: seria um drama familiar que transcorreria durante um dia,
dos primeiros raios de sol, até escurecer.
Eu não consegui escrever aquela história. Quando eu tentava, eu me sentia culpado.
Sentia que estava mentido, fabricando uma ficção a partir da experiência real. Parecia sacrilégio.
Então, eu tentei uma outra abordagem. Tentei escrever como não-ficção. Os
acontecimentos eram os mesmos, mas eu comentaria diretamente no texto sobre as mentiras,
sobre os artifícios narrativos, sobre como a vida real é tão mais confusa que a ficção.
Eu também não consegui escrever essa história. Ela se tornou convoluta, voltada apenas
para si própria. Era um exercício vazio em estilo. Tinha pouco a ver com a história original,
menos ainda com a verdade.
Assim, Neblina morreu. Mas os seus temas continuaram comigo. Eu ainda queria
escrever uma história sobre família, sobre morte e sobre o passado. Então eu comecei a escrever
Serra Geral, Vale Europeu.
Desta vez, eu iria inventar tudo desde o começo.
Na superfície, as duas histórias não poderiam ser mais diferentes. Enquanto Neblina era
um drama familiar que buscava o "realismo" e a verossimilhança - não havia gritaria, choro, ou
dramaticidade extrema - Serra Geral é uma farsa com personagens idiossincráticas e situações
exageradas. Apesar disso, o sentimento que eu vejo em ambas é o mesmo. As personagens são
todas assombradas pelo passado, pelos seus erros e pelos seus fracassos.
Este tempo todo entre o desenvolvimento destas narrativas foi útil, contudo.
Originalmente, minha intenção não era fazer uma história em quadrinhos. Quando os
eventos que seriam descritos em Neblina ocorreram, eu não sabia desenhar mais do que um
boneco-palito. Comecei a aprender desenho em outubro de 2018. Eu nunca desenhei quando criança, mas eu sempre escrevi roteiros de quadrinhos. Eu
indicava o que acontecia em cada um dos quadros e quantos quadros havia em cada página.
Meus roteiros ficavam todos guardados, só esperando alguém para desenhá-los. Em 2018, eu
decidi parar de esperar. Depois de três anos estudando desenho, suas técnicas e fundamentos, eu
finalmente consigo desenhar algo que eu não odeio completamente no dia seguinte.
Então eu decidi tentar fazer uma história em quadrinhos como meu trabalho de conclusão
de curo. Este é o resultado. |
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