Medicalização da alimentação e da nutrição: conceitos e estratégias

Abstract

Vivemos em uma sociedade caracterizada pela crescente medicalização. Esse processo se estende pelos mais diversos campos da Saúde, dentre eles, o da Nutrição. Este trabalho pretende trazer algumas problematizações sobre o particular protagonismo que a alimentação e a nutrição têm na vida das pessoas e das populações. Sendo assim, o objetivo geral desta tese é problematizar a medicalização da alimentação e da nutrição, bem como estratégias de intervervenção. Os objetivos específicos são ?identificar, analisar e compilar os conceitos de medicalização da sociedade, da alimentação e da nutrição que embasam estudos sobre o tema? e ?problematizar a concepção do alimento como um medicamento, e a nutrição personalizada como estratégias de medicalização no campo da Alimentação e da Nutrição?. Trata-se de pesquisa documental. A seleção dos documentos para compor o corpo de análise se deu por meio de uma busca sistematizada, e a análise de conteúdo como descrita por Bardin. Os resultados são apresentados em dois manuscritos. No primeiro, foi elaborado um ensaio, intitulado ?Medicalização da alimentação e da nutrição: aproximações conceituais?. Faz-se a discussão sobre a medicalização da sociedade, pelas obras de Irwing Zola, Ivan Illich, Michel Foucualt e Peter Conrad e, sobre a medicalização da alimentação e da nutrição, por meio dos autores Jean-Pierre Poulain, Mabel Gracia-Arnaiz, Cristopher Mayes, Kerry Chamberlain e Jesús Contreras. Discute-se que a racionalidade científica moderna, caracterizada por uma visão mecanicista, quantificadora e reducionista do mundo sustenta a medicina moderna. No processo de expansão do campo de ação da medicina, a partir do século XVIII, aos aspectos da vida e do cotidiano, deu-se a medicalização da sociedade. Os problemas sociais são interpretados pela linguagem médica e passam a ser geridos pela medicina. Seguindo essa expansão, a alimentação e a nutrição participam desse processo. Na medicalização da alimentação e da nutrição, os motivos hedônicos, gastronômicos e culturais para a escolha dos alimentos são substituídos por outros de razão médico-nutricional. Poulain propôs o conceito de nutricionalização quando se trata da disseminação dos conhecimentos derivados da racionalidade nutricional. No segundo manuscrito, uma revisão integrativa, intitulada ?O alimento e a nutrição personalizada como estratégias medicalizadoras?, foram identificadas duas estratégias medicalizadoras. A primeira, hegemônica na atualidade, trata da concepção do alimento como um medicamento. A segunda, a Nutrição Personalizada, é um tipo de aconselhamento e prescrição nutricional baseado em testes genéticos, com perspectivas de se tornar a estratégia medicalizadora da alimentação e da nutrição hegemônica nos próximos anos. Destaca-se a importância dessa discussão na área da alimentação e da nutrição e a relativa ausência desse tipo de publicação no Brasil. É imprescindível a reflexão sobre essa ancoragem conceitual, a fim de atender ao perfil humanista, crítico, ético, e pautado na realidade social e cultural de nutricionistas, com vistas a minimizar os efeitos iatrogênicos da medicalização.

Abstract: We live in a society characterized by increasing medicalization. This process extends to the most diverse fields of Health, including Nutrition. This work intends to bring some problematizations about the particular protagonism that food and nutrition have in the lives of people and populations. Thus, the general objective of this thesis is to problematize the medicalization of food and nutrition, and strategies of intervention. The specific objectives are to 'identify, analyze, and compile the concepts of medicalization of society, food, and nutrition that underlie studies on the subject' and 'problematize the conception of food as a medicine and personalized nutrition as medicalization strategies in the field of Food and Nutrition'. This is a documental research. The selection of documents to compose the body of analysis was made through a systematic search, and content analysis as described by Bardin. The results are presented in two manuscripts. In the first, an essay entitled 'Medicalization of food and nutrition: conceptual approaches' was prepared. It discusses the medicalization of society through the works of Irwing Zola, Ivan Illich, Michel Foucualt, and Peter Conrad, and the medicalization of food and nutrition through the authors Jean-Pierre Poulain, Mabel Gracia-Arnaiz, Cristopher Mayes, Kerry Chamberlain, and Jesús Contreras. It is discussed that modern scientific rationality, characterized by a mechanistic, quantifying, and reductionist view of the world sustains modern medicine. In the process of expanding the field of action of medicine, from the 18th century on, to aspects of life and daily life, the medicalization of society took place. Social problems are interpreted by medical language and become managed by medicine. Following this expansion, food and nutrition participate in this process. In the medicalization of food and nutrition, hedonic, gastronomic, and cultural reasons for choosing food are replaced by medical-nutritional ones. Poulain proposed the concept of nutritionalization when it comes to the dissemination of knowledge derived from nutritional rationality. In the second manuscript, an integrative review, entitled 'Personalized food and nutrition as medicalizing strategies', two medicalizing strategies were identified. The first, hegemonic at the present time, deals with the conception of food as a medicine. The second, Personalized Nutrition, is a type of nutritional counseling and prescription based on genetic tests, with prospects of becoming the hegemonic medicalizing strategy of food and nutrition in the coming years. We highlight the importance of this discussion in the area of food and nutrition and the relative absence of this type of publication in Brazil. It is essential to reflect on this conceptual anchoring, in order to meet the humanistic, critical, ethical profile, based on the social and cultural reality of nutritionists, in order to minimize the iatrogenic effects of medicalization.