Ecologia e manejo pesqueiro em uma perspectiva da teoria dos jogos

Abstract

Comunidades de pesca, frotas industriais, empresas, órgãos de fiscalização e gestão pública. Cada agente de uma pescaria tem uma realidade diferente, percebe o sistema de uma maneira diferente, tem interesses diferentes?conflitantes, as vezes?e maneiras diferentes de compreender e lidar com os problemas. Visto que a relação entre essas pessoas afeta diretamente a gestão da pescaria e que as mudanças no ecossistema refletem em toda o sistema, é evidente que qualquer estratégia de manejo deva ser pensada considerando o sistema pesqueiro como um todo. Essa tese de doutorado busca trazer uma perspectiva da teoria dos jogos acerca da gestão pesqueira e das relações ecológicas que a permeiam. O objetivo é entender como os fatores ecológicos, econômicos e sociais interagem no sistema socioecológico de uma pescaria e como essa interação pode contribuir para o fortalecimento da governança desse sistema. Em três capítulos, diferentes sistemas de pesca, com diferentes graus de complexidade são explorados. O primeiro capítulo faz uma análise bioeconômica da pesca do camarão (Farfantepenaeus paulensis e Farfantepenaeus brasiliensis) com o aviãozinho?petrecho de pesca local com atrativo luminoso em formato de avião?em Laguna, Santa Catarina. Nesse capítulo usamos um modelo bioeconômico aliado a um jogo evolutivo para discutir como que a percepção da fiscalização e a tolerância ao risco das pessoas que pescam, pode influenciar na decisão dessas pessoas de cooperar com uma restrição no esforço de pesca imposta por um plano de manejo. O cenário com alta percepção de fiscalização e alta tolerância ao risco facilitou o comportamento cooperativo. Esse mesmo cenário criou condições para a invasão e dominância do comportamento cooperativo. No segundo capítulo, um modelo bioeconômico foi desenvolvido e aplicado para pesca da tainha (Mugil liza) no Sul-Sudeste do Brasil. A complexidade aumenta com a escala da pescaria e com as modalidades de pesca consideradas, que passam a ser quatro petrechos: a pesca de cerco industrial, a pesca artesanal de emalhe de superfície, a pesca artesanal de cerco de praia e a pesca artesanal de emalhe anilhado. Nesse sistema?em que coexistem modalidades industriais e artesanais?fizemos cenários baseados em jogos não-cooperativos para analisar como uma restrição no esforço de pesca pode impactar o sistema considerando aspectos biológicos (estado final do estoque) e socioeconômicos (renda per capita das pessoas que pescam). Enquanto no cenário não-cooperativo o cerco de praia foi excluído da pesca, no cenário não-cooperativo restritivo todas as artes permaneceram no sistema obtendo um melhor estado de estoque e renda per capita. No último capítulo consideramos um modelo bioeconômico para um sistema multiespecífico com petrechos variados: um recorte na pesca artesanal do complexo lagunar de Laguna, Santa Catarina. Consideramos os botos-da-tainha (Tursiops truncatus gephyreus), as tainhas (Mugil liza) e os camarões (Farfantepenaeus paulensis e Farfantepenaeus brasiliensis). Os petrechos considerados foram a pesca com tarrafa, as redes de emalhe e o aviãozinho. Esse capítulo generaliza o modelo do capítulo dois com espécies do capítulo um e dois tentando analisar, em três cenários diferentes, as consequências socioeconômicas e ecológicas de um sistema considerando interações como a predação, o bycatch e respostas comportamentais na dinâmica dessas pescarias. A população de botos se mostrou ameaçada pela pesca acidental das redes de emalhe. Na solução do cenário de manejo ótimo as redes de emalhe foram excluídas, além disso o sistema perde um esforço equivalente ao de 994 pessoas. Por outro lado, no cenário de manejo, a renda per capita é maior e o estado final do estoque melhor do que nos demais cenários. Independente da complexidade do sistema, a relação entre as pessoas e os recursos envolve dimensões ecológicas, sociais e econômicas diretamente ligadas entre si e que interferem diretamente no comportamento dessas pessoas dentro do sistema. Logo, todas essas dimensões devem ser levadas em consideração em uma proposta de manejo.

Abstract: Fishing communities, industrial fleets, enforcement institutions, management decision makers. Each stakeholder in a fishery has a different reality, perceives the system with a different point of view, with different interests ? sometimes conflicting ? and has different ways of dealing and understand the problems. As the stakeholders? interactions directly affect the fishery management and the changes in the ecosystem reflect in the system, it is a fact that every management strategy must account for the whole system. This thesis aims to access fishery management and associated ecological relations in a game-theoretic perspective. The main goal is to understand how ecologic, economic, and social factors interacts within the socioecological system of a fishery and how this interaction could affect positively the governance of the system. In three chapters, different fishery systems, with distinct complexities were explored. The first chapter presents a bioeconomic analysis of the shrimp fishery (Farfantepenaeus paulensis and Farfantepenaeus brasiliensis) with the shrimp fyke net in Laguna, Santa Catarina. In this chapter we combine a bioeconomic model with an evolutionary game to discuss how control perception and risk tolerance of the fishers could intervene in their decision to cooperate with a fishing effort restriction imposed by a management plan. The scenario with both high control perception and high risk tolerance facilitated the cooperative behavior. This same scenario created conditions for the cooperative strategy invasion. In the second chapter, a bioeconomic model was built and implemented for the mullet fishery (Mugil liza) in Southern-Southeastern Brazil. The complexity increases with the fishery scale and with the number fishing gears considered, four: the industrial purse seine, the artisanal gillnets, the artisanal beach seine, and the artisanal drift net. In this system ? where small- and large-scale fisheries coexist ? we considered scenarios based in non-cooperative games to analyze how a fishing effort restriction could impact the system biologic (stock health) and socioeconomically (per capita labor income). In the non-cooperative scenario, the beach seine fishing gear was excluded of the fishery, while in the constrained non-cooperative scenario all the fishing gears stayed in the system with a better stock status and a better per capita labor income. In the last chapter we considered a bioeconomic model for a multispecies and a multigear system: the artisanal fishery in the Lagoon complex of Santa Catarina. Species was the Lahille?s bottlenose dolphin (Tursiops truncatus gephyreus), the mullet (Mugil liza) and the pink shrimp (Farfantepenaeus paulensis and Farfantepenaeus brasiliensis). Fishing gears was the casting net, the gillnets, and the shrimp fyke net. This chapter is a generalization of bioeconomic model presented in chapter two with the species from the first two chapters analyzing socioeconomic and ecologic implications from a system with interactions such as predation, bycatch and behavioral feedbacks. Bottlenose population was threatened by gillnet?s bycatch. The optimal management solution excluded the gillnets. In addition, the system lost fishing effort equivalent of 994 people. On the other hand, optimal management scenario had the highest per capita labor income and better final stock status, in comparison with all other scenarios. Regardless system's complexity, the relationship between resources and people involves ecological, social, and economic dimensions directly linked to each other with directly intervention in people?s behavior within the system. Therefore, all these dimensions must be considered in a management proposal.