Cidadania agroalimentar e a promoção da agricultura familiar agroecológica: dois casos de cooperativas de consumo no Rio Grande do Sul, Brasil

Abstract

Pesquisamos as cooperativas de consumo (CC) de alimentos orgânicos a partir do lugar das ciências agrárias, com olhar para a agricultura familiar agroecológica e as redes que estão envolvidas nesse contexto. Buscamos compreender esses espaços coletivos de comercialização a partir dos mercados agroalimentares, baseados na construção social e nas relações que se estabelecem entre os atores sociais e os territórios em que estão inseridos. A partir daí, o objetivo dessa pesquisa é analisar a contribuição das CC estudadas para a geração de mercados e fortalecimento do sistema agroalimentar (ou RCA) que valorizem a agricultura familiar agroecológica. São elas a Coopet ? Cooperativa de Consumidores de Produtos Ecológicos de Três Cachoeiras e a GiraSol ? Cooperativa de Comércio Justo e Consciente de Porto Alegre, ambas localizadas no Rio Grande do Sul. Fazemos isso por meio de pesquisa qualitativa, análise de documentos e entrevistas com os atores envolvidos no abastecimento. Mobilizamos as noções de circuitos curtos de comercialização (CCC) e redes de cidadania agroalimentar (RCA), com enfoque na participação da sociedade civil na organização do abastecimento alimentar. No primeiro capítulo, aprofundamos na análise das proximidades geradas pelos circuitos curtos de comercialização que chegam às CC estudadas. Ambas as CC promoveram os três tipos de proximidades associados aos CCC (geográfica, relacional e informacional). A Coopet destacou-­se por articular forte proximidade geográfica e relacional entre famílias de agricultores e consumidores sócios, devido aos vínculos comunitários que são fortalecidos no contexto de ruralidade em que se insere. A GiraSol, por outro lado, destacou-­se por articular principalmente a proximidade informacional em um contexto urbano e metropolitano, de forma compensatória a menor proximidade geográfica e relacional. As CC estudadas mostraram­-se como espaços de comercialização importantes para os produtores, pois geram renda relevante para a maioria dos grupos, valorizam a sazonalidade e a agrobiodiversidade da produção e constroem preços coletivamente. No segundo capítulo, identificamos que as CC estudadas estão imersas em RCAs, formadas por organizações cooperativas e associativas de produção, redes da agricultura familiar e economia solidária, ONGs em cada território, além de movimentos sociais, sindicatos e universidades, onde são constituídas trajetórias e interações entre os atores que geram práticas cidadãs de comercialização no abastecimento dos alimentos orgânicos. Por meio das práticas cidadãs de comercialização criadas a partir das CC, os agricultores ampliam a apropriação e a participação democrática nos processos em torno do abastecimento alimentar, envolvendo e potencializando as redes vinculadas à agricultura familiar, agroecologia e economia solidária nos territórios rurais e urbanos. Os resultados dessa pesquisa demonstram que por meio da conformação de CCCs e da apropriação cidadã pelos agricultores de dinâmicas comerciais em RCAs, as CC têm cumprido com a finalidade de organizar o abastecimento dos orgânicos a preços acessíveis e valorizar a agricultura familiar agroecológica nos territórios ? aproximando produtores e consumidores, articulando trocas mercantis e reciprocidades, gerando mecanismos de credibilidade e confiança pela organização social e participação coletiva ­ e construindo noções de qualidade que refletem na valorização da agrobiodiversidade e localidade dos alimentos produzidos pela agricultura familiar agroecológica.

Abstract: We studied organic food consumer cooperatives (CC) from the agrarian sciences perspective, looking at agroecological family farming and their related networks. We seek to understand these collective food supply initiatives based on agrifood markets, their social construction and the established relationships between social actors and territories in which they operate. This research aims to analyze the contribution of two organic food CC for generating markets that value agroecological family farming. The CC studied are Coopet ? Cooperativa de Consumidores de Produtos Ecológicos de Três Cachoeiras andGiraSol ? Cooperativa de Comércio Justo e Consciente de Porto Alegre. We use qualitative methods, document analysis and interviews with actors engaged in CC food supply. We discuss short food supply chains (SFSC) and civic food networks (CFN), focusing on civil society participation in organizing food supply. In the first part, we deepen the analysis of the proximities generated by the SFSC of the studied CC. Both CC promoted all types of proximity associated with SFSC (geographic or spatial, informational and relational). Coopet articulates mainly geographic and relational proximity between families of farmers and consumers members, mostly due to communitary bonds built in its rurality context. GiraSol, on the other hand, articulates mostly informational proximity in a urban and metropolitan context, compensating reduced geographic and relational proximity. The CC studied proved to be important food supply initiatives for producers, as they generate relevant income, value production seasonality and agrobiodiversity, and build prices collectively between producers and managers. In the second part, we identify that CC studied are embedded in CFNs, including production cooperatives and associations, family farming and solidarity economy networks, NGOs in each territory, as well as social movements, unions and universities, where actors trajectories and interactions generate civic practices around organic food supply. Through CC civic practices, farmers expand citzen ownership and democratic participation around food supply, enhancing family farming, agroecology and solidarity economy networks in rural and urban territories. The research results demonstrate that through SFSC and by farmers? citizen ownership of comercial dynamics in CFNs, the CC studied have met the purpose of organizing organic food supply at fair prices and valuing agroecological family farming in the territories ? they bring closer producers and consumers, create trust and credibility mechanisms by social organization and collective participation, and build quality notions that value food locality and agrobiodiversity produced by agroecological family farmers.