dc.description.abstract |
A Cannabis sativa possui mais de 100 compostos fitocanabinóides em sua composição, tendo o THC e o CBD como principais representantes. Com a descoberta do sistema endocanabinóide no final do século XX, intensificaram-se pesquisas com estes ativos. Além de receptores canabinoides acoplados à proteína G, ligantes endocanabinoides e enzimas reguladoras compõe este sistema. Os receptores são expressos em diversos locais do corpo humano tais como sistema nervoso central, periférico, endócrino e imunológico. São responsáveis por diversas funções fisiológicas e contribuem para explicar a ampla gama de ações farmacológicas dos compostos que agem seletivamente nesta via. O THC atua como agonista parcial dos receptores canabinoides (CB1 e CB2). Exerce efeitos psicoativos, digestivos, emocionais e moduladores da dor. Já o CBD possui baixa afinidade por estes receptores e apresenta propriedades anti-inflamatórias, analgésicas, neuroprotetoras, anticonvulsivantes, antieméticas, antipsicóticas, dentre outras. Assim, canabinoides têm sido considerados para o tratamento de várias doenças neurológicas crônicas de difícil tratamento tais como a epilepsia refratária, doença de Alzheimer, doença de Parkinson, doença de Crohn, diabetes e câncer. Esta classe de compostos tem sido administrada principalmente pela via oral (uso farmacológico) ou através da vaporização (uso recreativo). Embora efetivas, estas moléculas apresentam alta lipofilicidade (log P entre 6 e 7), o que implica em uma série de desafios biofarmacêuticos que devem ser contornados, a considerar: baixa solubilidade aquosa, baixa absorção (20 a 30%) e biodisponibilidade oral (13 a 19%), demora para alcançar as concentrações plasmáticas terapêuticas devido à alta interação com membranas e elevado metabolismo hepático. Um maior depósito destes compostos no tecido adiposo também é observado, o que leva a resultados farmacocinéticos variáveis. Por fim, canabinoides são suscetíveis à degradação devido à ação da luz, temperatura e auto-oxidação. Assim, estudos com rotas alternativas de administração ou proposição de novas formulações tem sido considerados. Sistemas nanoparticulados tem se mostrado promissores, pois além de contornar problemas de solubilidade e estabilidade, podem incrementar a eficácia, reduzir efeitos adversos, permitir uma liberação sustentada e/ou um direcionamento sítio-específico. Face ao exposto, este trabalho de revisão narrativa traz uma oportunidade de discussão de vantagens e desvantagens de cada sistema nanoparticulado, permitindo identificar o tipo de nanopartícula mais apropriado para cada aplicação, além de tornar o desenvolvimento de formulações mais assertivo. Estudos publicados nos últimos 30 anos em revistas indexadas nas bases de dados Scopus e Pubmed foram considerados nesta análise. Os sistemas nanoparticulados foram agrupados em três categorias principais: sistemas coloidais lipídicos (lipossomas, sistemas autonanoemulsionáveis (SNEDDS), nanoemulsões, carreadores lipídicos nanoestruturados e nanocápsulas lipídicas), sistemas coloidais poliméricos (micelas poliméricas e nanopartículas poliméricas) e sistemas coloidais inorgânicos (nanotubos de carbono e nanopartículas metálicas). A maior parte dos estudos considerou sistemas nanoparticulados lipídicos e poliméricos. Além de uma alta biocompatibilidade, sistemas lipídicos são caracterizados por proporcionar melhorias significativas na solubilidade e biodisponibilidade. SNEDDS, por exemplo, atravessam a barreira intestinal de forma efetiva devido ao reduzido tamanho (~30 nm), com um rápido alcance da concentração plasmática máxima, o que resulta em maior biodisponibilidade oral. Uma absorção pelo sistema linfático é observada quando estes sistemas apresentam lipídeos de cadeia longa em sua composição. Inibidores de metabolismo podem também ser incluídos para prolongar o tempo de ação. Sistemas lipídicos de THC tem também sido aplicados topicamente para o tratamento de glaucoma, com a obtenção de resultados de eficácia superiores a medicamentos já utilizados clinicamente. Sistemas poliméricos tem como principais diferenciais o fato de permitem um maior controle de liberação do ativo, maior estabilidade e a possibilidade de funcionalização de superfície (liberação sítio-específica), a qual torna a ação mais seletiva. Nos estudos analisados, o PLGA foi o copolímero mais utilizado, com a obtenção de uma liberação sustentada por vários dias. A liberação sítio-específica é particularmente relevante no tratamento de doenças do SNC e câncer já que as terapias atuais são caracterizadas por vários efeitos adversos. Micelas poliméricas de canabinóides tem se mostrado promissoras em terapias tumorais pois o reduzido tamanho permite acessar sítios tumorais mais facilmente devido ao conhecido efeito EPR. Além das vantagens decorrentes do reduzido tamanho, a modulação da carga de superfície destas partículas pode conferir propriedades adicionais. Sistemas carregados positivamente e administrados na mucosa nasal, por exemplo, podem ter sua retenção aumentada nesta região em função de interação eletrostática com a mucina, que é carregada negativamente. Ainda que as nanopartículas tenham demonstrado um papel promissor no tratamento de várias doenças difíceis de tratar, estudos translacionais devem ser intensificados para confirmar todos os benefícios aqui descritos. |
pt_BR |
dc.description.abstract |
The discovery of the endocannabinoid system in the 20th century has contributed to a growth in the number of studies with compounds affecting CB1 and CB2 receptors, which are highly expressed in Central Nervous System (CNS) and cancer cells. Flexibilization in the legislation related to the use of Cannabis in many countries has also contributed to a rapid introduction of new products in the market. On the other hand, these medicines often show biopharmaceutical limitations, particularly after an oral administration. In fact, cannabinoids are highly lipophilic molecules (i.e., low aqueous solubility), which challenges the development of formulations and the transport of the active ingredients across biological membranes. These molecules are also susceptible to photo- and thermal degradation as well as auto-oxidation reactions. In this context, nanotechnology appears as a strategy to overcome such technological limitations. In addition to improving the solubility and absorption of cannabinoids, these systems may provide a sustained and/or site-specific delivery with greater efficacy and stability, and fewer adverse effects. In this review, the main types of cannabinoid-based nanoparticles (NPs) reported so far are addressed on the basis of the advantages and disadvantages of each system. Surface modification approaches of NPs, which allow to achieve a more selective action in CNS-affecting diseases (e.g., multiple sclerosis) and cancer, are also presented. Formulation, preclinical and clinical studies performed with colloidal carriers were individually analyzed. Overall, this study aims at identifying promising systems for targeted applications to make future formulation optimization processes more effective and faster. |
pt_BR |