As utopias realizáveis de Rawls e Piketty como alternativas ao capitalismo

Abstract

A partir da publicação de A Theory of Justice em 1971, julga-se não ser um exagero afirmar que John Rawls se tornou um dos mais importantes filósofos políticos do século XX. Apesar de comumente vista como uma obra de apologia ao capitalismo, sobretudo do estado de bemestar social, nessa tese pretende-se defender que o filósofo estadunidense tinha objetivos mais radicais, não podendo ser lido dentro do escopo capitalista. Na verdade, acredita-se que John Rawls deve ser visto como um crítico severo dos modelos capitalistas de produção. Isso ficará particularmente claro com a publicação da obra Justice as Fairness: a restatement em 2001. No trabalho de 2001, Rawls afirma que o sistema capitalista não consegue, nem mesmo em sua melhor acepção ? o estado de bem-estar social ? satisfazer os princípios da justiça como equidade, visto que rejeita o valor equitativo das liberdades políticas, não garante a igualdade equitativa de oportunidades e não possui um princípio de reciprocidade na regulamentação das desigualdades socioeconômicas. Segundo o autor, apenas dois regimes econômicos conseguiriam dar conta dos princípios de justiça como equidade, a saber, a democracia de cidadãos-proprietários e o socialismo (democrático) liberal. É verdade, contudo, que Rawls acaba destacando muito mais a democracia de cidadãos-proprietários que o socialismo liberal, deixando uma lacuna aberta. Frente a leitura de Edmundson, que defende Rawls enquanto um socialista (clássico) reticente, acredita-se que essa lacuna pode ser preenchida com o socialismo participativo defendido pelo economista francês Thomas Piketty na obra Capital et Idéologie (2019). O socialismo participativo constitui de um arranjo social cujo objetivo é dispersar constantemente a concentração de propriedade, por meio de um sistema equilibrado entre propriedades públicas, sociais e temporárias, com um sistema público de heranças e uma constante reforma agrária possibilitada pelo imposto progressivo anual sobre a propriedade. Assim como Rawls, Piketty objetiva com seu regime econômico, a partir de um sistema pré- distributivo de capital, que as desigualdades exorbitantes derivadas do capitalismo não sejam permitidas em uma sociedade justa, assegurando o status moral de igualdade entre os cidadãos e cidadãs de uma sociedade bem ordenada. Esta tese, portanto, tem por objetivo defender que as ?utopias realizáveis?, tanto de Rawls quanto de Piketty, podem ser vistas como alternativas ao capitalismo, pois objetivam romper com a lógica das classes e da acumulação desenfreada de capital.

Abstract: Since the publication of A Theory of Justice in 1971, it is not considered an exaggeration to say that John Rawls became one of the most important political philosophers of the 20th century. Although it is commonly seen as a work in defense of capitalism, especially the welfare state, this thesis intends to argue that the American philosopher had more radical goals and could not be read within the capitalist scope. In fact, it is believed that John Rawls should be seen as a harsh critic of capitalist models of production. This will become particularly clear with the publication of Justice as Fairness: a restatement published in 2001. In the 2001 work, Rawls argued that the capitalist system cannot, even in its best sense ? the welfare state ? satisfy the principles of justice as fairness, because it rejects fair value of the equal political liberties, does not guarantee fair equality of opportunity, and does not have a principle of reciprocity in the regulation of socioeconomic inequalities. According to the author, only two economic regimes would be able to account for the principles of justice as fairness, namely, property-owning democracy and liberal (democratic) socialism. It is true, however, that Rawls ends up emphasizing property-owning democracy much more than liberal socialism, leaving an open gap. Against Edmundson's reading of Rawls as a socialist (classical) reticent, it is believed that this gap can be filled with the participatory socialism advocated by French economist Thomas Piketty in Capital et Idéologie (2019). Participatory socialism is a social arrangement that aims to disperse the concentration of ownership, through a balanced property system between public, social and temporary properties, with a public inheritance system and a steady agrarian reform made possible by the annual progressive property tax. As well as Rawls, Piketty aims with his economic regime, from a pre-distributive system of capital, that the exorbitant inequalities derived from capitalism are not allowed in a just society, ensuring the moral status of equality among the citizens of a well-ordered society. Thus, this work aims to argue that the ?realistic utopias?, both of Rawls and Piketty, can be as alternatives to capitalism, because they aim to break with the logic of classes and the uncontrolled accumulation of capital.