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Devido à impossibilidade de se tratar a cromodinâmica quântica (QCD) perturbativamente em regimes de alta densidade, o estudo completo do diagrama de fases da QCD requer abordagens alternativas, e o uso de modelos efetivos relativísticos tem servido como uma valiosa ferramenta para o entendimento conceitual e modelagem de muitos fenômenos relacionados à interação nuclear. Estes modelos, originalmente desenvolvidos tendo em vista suas aplicações no contexto microscópico, i.e., na descrição da matéria nuclear, de colisões de íons pesados ou da subestrutura de hádrons, têm sido extrapolados para o âmbito macroscópico da descrição de matéria densa contínua, como é praxe no estudo de objetos estelares compactos. Os remanescentes estelares, como são chamadas as estrelas compactas em conjunto com buracos negros, são o estágio ?nal da evolução das estrelas. O estudo destes objetos se situa na intersecção da mecânica quântica, relatividade geral e física estatística, grandes pilares conceituais da física contemporânea. Por isso, os métodos utilizados nesta investigação e os resultados obtidos são de ampla aplicabilidade nos mais diversos campos da física. Por exemplo, as condições extremas de densidade, campo magnético, temperatura e pressão encontradas no interior ou nas imediações desses objetos servem como um ?laboratório natural? para teorias que exigem parâmetros em escalas irreprodutíveis nos laboratórios humanos, bene?ciando principalmente a física nuclear e de hádrons, astrofísica e cosmologia. O caroço das estrelas de nêutrons apresenta a matéria bariônica na situação de mais alta densidade observável atualmente, e é evidente que as partículas apresentam-se em estados de alta energia em relação às suas massas de repouso. É razoável conjecturar que, ao menos em regiões mais centrais, os núcleons tenham sua energia elevada acima da barreira de massa, favorecendo energeticamente a existência de espécies bariônicas mais massivas do que prótons e nêutrons (como os híperons ou as ressonâncias de spin 3/2 do decupleto bariônico). Outros tipos de matéria exótica também podem ser esperados devido às extremas densidades de energia encontradas em tais objetos, como, por exemplo, matéria estável de quarks desconfinados (chamada na literatura de matéria estranha). Embora a totalidade da experiência física (e cotidiana) ateste que a matéria em seu estado fundamental se apresenta na forma de léptons e quarks con?nados, não é possível excluir teoricamente a possibilidade deste ser apenas um estado duradouro metaestável ao invés de o verdadeiro estado fundamental da matéria bariônica. A hipótese de Bodmer-Witten propõe que é possível a existência de matéria estável de quarks descon?nados, desde que haja quarks u, d e s em porções equivalentes. A depender dos modelos efetivos empregados na descrição das matérias hadrônica e estranha, uma transição de fases é esperada no interior da estrela compacta, levando ao aparecimento de um ?caroço? de matéria de quarks livres ou, até mesmo, à total conversão de uma estrela hadrônica metaestável em uma estrela estranha. Por outro lado, uma classe distinta de estrelas de nêutrons é chamada de magnetares, objetos compactos que possuem o maior campo magnético estável observado na natureza. Embora a força do campo magnético na região central dessas estrelas permaneça desconhecida, estima-se que elas podem atingir magnitudes da ordem de 10$^{18}$ G. Tais condições extremas certamente desempenham um papel considerável na determinação da composição interna dos magnetares, em especial quando se consideram espécies exóticas de partículas. Ainda, há uma quebra de simetria induzida pela presença do campo magnético levando ao aumento da pressão transversal à direção de $B$ e à diminuição da pressão longitudinal. Para campos magnéticos fortes o suficiente, isso provocará um achatamento nos pólos da estrela de nêutrons. Assim, assumir a simetria esférica na dedução das equações de equilíbrio hidrostático, como feito na obtenção das usuais equações de Tolman-Oppenheimer-Volkoff, não é mais uma boa aproximação. Além disso, deve-se considerar uma dependência do campo magnético com a densidade através de um perfil que não é conhecido de antemão. Portanto, o cálculo numérico deve-se dar a partir das equações de estado levando em consideração as equações de Einstein e de Maxwell para obter as soluções de equilíbrio auto consistentemente. Fazem parte dos objetivos deste estudo a implementação e refinamento de modelos efetivos para matéria hadrônica, em especial parametrizações de modelos tipo-Walecka como o L3wr, modelos dependentes da densidade como o DDME2, ou extensões do modelo Nambu-Jona-Lasinio (NJL) como o PPM que concordem com grandezas experimentais bem estabelecidas para matéria nuclear, e.g., o ?módulo de compressibilidade?, a ?energia de simetria? e seu slope, tomados no ponto de saturação nuclear. Além destas restrições, observações astronômicas colocam limites nos valores de massas e raios de estrelas compactas. Com o objetivo de permitir a descrição de matéria com híperons ou ressonâncias de spin 3/2 (bárions $\Delta$), que devem estar presentes na modelagem de estrelas compactas, exige-se a busca por melhores esquemas de acoplamentos méson-híperon e méson-delta quando se opta por modelos tipo-Walecka. A inclusão de outras espécies bariônicas no modelo NJL estendido para hádrons é consideravelmente mais complexa, pois esse formalismo exige que se observe a simetria quiral. Tanto a busca por melhores esquemas de acoplamentos para modelos tipo-Walecka quanto a completamente nova extensão do modelo NJL hadrônico para híperons fazem parte do escopo deste trabalho. A transição de desconfinamento entre matéria hadrônica e de quarks livres é tida como sendo uma transição de fases de primeira ordem para o caso de $T=0$. A descrição termodinâmica desse tipo de processo pode ser obtida a partir da combinação das equações de estado para as duas fases. A transição pode acontecer após a matéria hadrônica metaestável sobre-pressurizada atingir o ponto de coexistência de fases com a matéria estranha, o que, a depender dos parâmetros de ambos os modelos, pode permitir a construção de uma equação de estado híbrida. O estudo dessas transições de fase também faz parte dos objetivos desse projeto, e relaciona-se intimamente ao objetivo anterior, uma vez que as populações de partículas exóticas na matéria hadrônica (que é uma variável dependente do modelo) têm muita influência na transição para matéria hadrônica. Além da implementação numérica de modelos efetivos, sejam eles presentes na literatura ou novos desenvolvimentos, pretende-se implementar a descrição de efeitos de campos magnéticos extremos incluindo também momentos magnéticos anômalos das partículas consideradas. Isso permitirá uma melhor descrição de matéria hadrônica (ou estranha) em magnetares, porém traz as dificuldades adicionais de se ter que considerar a anisotropia introduzida pelo campo magnético e de considerar as equações de Einstein e de Maxwell auto consistentemente na obtenção das soluções de equilíbrio (i.e., diagrama massa-raio, perfis de densidade e de campo magnético nos interiores estelares,etc.). |
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