A universidade brasileira sob o padrão de reprodução do capital nos anos 2000

Abstract

Esta Tese assume a crítica à histórica transplantação de modelos educacionais estrangeiros como ponto de partida para problematizar o caráter dependente da Universidade brasileira, no espaço-tempo das Reformas universitárias conduzidas na primeira década dos anos 2000 neste país, inspiradas na Reforma de Bolonha, na Europa. No âmbito do debate da transnacionalização da educação superior, aborda a influência do Processo de Bolonha no Brasil, como episódio histórico que demonstra a dinamização do caráter dependente da Universidade. Para tanto, explicita as aproximações existentes entre um dos principais programas da Reforma universitária no Brasil, o Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais/REUNI, o Projeto UniNova (uma proposta de modelo educacional inspirada em Bolonha) e o Projeto Alfa-Tuning (uma versão latina do Projeto europeu Tuning). O percurso teórico-metodológico de aproximação sucessiva desta problemática alcança maturidade nas seguintes questões: como a condição dependente da Universidade brasileira é dinamizada nas transformações universitárias operadas na primeira década dos anos 2000? Ou, como a Universidade brasileira se expressa (ou participa) na dinâmica particular do capitalismo dependente brasileiro? Que papel cumpre a influência da Reforma de Bolonha na dinamização da condição dependente da Universidade brasileira? A hipótese defendida é a de que a colonialidade (QUIJANO, 2005) do sistema educacional brasileiro é expressão da dependência, resultado da maneira através da qual a Universidade latino-americana, especialmente a brasileira, participa do acionamento dos seus mecanismos estruturantes: a transferência de valor, o intercambio desigual e a cisão no ciclo do capital (MARINI, 2011). A mais recente influência do Processo de Bolonha nos principais programas da Reforma Universitária da primeira década dos anos 2000 é uma evidência de como a colonialidade educacional, enquanto expressão da dependência, é dinamizada nos anos 2000, respondendo, em primeira instância, às necessidades do ?padrão exportador de especialização produtiva? (OSÓRIO, 2012). Este padrão de reprodução do capital dependente direciona as reformas universitárias na América Latina, hegemonicamente articuladas com as necessidades do mercado, no âmbito da transnacionalização da educação superior. O caráter dependente da Universidade brasileira compreendido enquanto condição estrutural, que perpassa a gênese e o desenvolvimento desta Instituição é, portanto, o objeto de estudo desta Tese. A captura do movimento deste objeto, foi possível a partir do aporte da crítica da economia política latino-americana, especialmente no âmbito da Teoria Marxista da Dependência/TMD (MARINI, 2011), com destaque para a categoria de Padrão de Reprodução do Capital, desenvolvida por Jaime Osório (2012) e as elaborações teóricas sobre ideologia marxiana e marxistas, especialmente em G. Lukács (2013) e A. Gramsci (2002; 2000, 1999), como também, o conceito deste último de hegemonia. O potencial explicativo deste arsenal teórico faz com que esta Tese os revele enquanto via interpretativa fundamental à análise crítica das mais recentes transformações universitárias e sua vinculação aos interesses do grande capital. Esta Tese resulta, portanto, da realização de uma pesquisa teórica, de caráter bibliográfico e documental, que se estruturou a partir da exploração de fontes secundárias acerca das orientações gerais, tendências e configurações do eixo ?dimensão europeia? no âmbito da Reforma de Bolonha no período de 1999 a 2012 e sua influência no Brasil - que coincide com o período de vigência do programa REUNI (2007- 2012). Ao considerar o pressuposto de que as orientações acerca da Reforma de Bolonha, produzidas no intercurso da primeira década dos anos 2000, são importadas para a realidade brasileira e incorporadas à programas expressivos estruturados no período, como é o caso do próprio REUNI e do projeto UniNova, chega as seguintes constatações: 1) a existência do que denominamos ?dilema-projeto? da educação superior no Brasil como relação substancial que explica a dinâmica da Universidade brasileira no bojo da formação sócio-histórica latino-americana e na particularidade do capitalismo dependente.; 2) o papel dinamizador que cumpriu a influência de Bolonha nas propostas hegemônicas de reestruturação da Universidade pública brasileira da primeira década dos anos 2000, reatualizando as manifestações da dependência; 3) o potencial explicativo da Teoria Marxista da dependência/TMD para o desvelamento das particularidades da Universidade brasileira, 4) o discurso da modernização universitária como ideologia que legitima o projeto hegemônico universitário em disputa. O que denominamos dilema- projeto emerge enquanto condição estrutural que faz com que os problemas educacionais façam parte de um projeto educacional. Nesta perspectiva, as limitações do sistema educacional brasileiro, apontadas pelo discurso da ?modernização universitária? como fatores de ?atraso?, são engendradas na própria dinâmica de reprodução do capital no capitalismo dependente. O episódio da Reforma universitária de 1968 e os seus continuísmos e rupturas com relação à Reforma conduzida no período de análise desta Tese demonstram, portanto, a persistência e reatualização do ?dilema-projeto? como traço característico da Universidade dependente brasileira ? manifesto, hoje, na hegemonia de projetos comprometidos com a construção da chamada ?Universidade operacional?. O discurso da ?modernização universitária? legitima estes projetos de Universidade alinhados às demandas do mercado financeirizado em escala transnacional. Este discurso foi evidenciado nas proposições do modelo educacional de Bolonha e os seus principais fundamentos desvelados com o aporte teórico da categoria marxiana de ideologia. A disputa de hegemonia entre diferentes projetos educacionais emerge como ponto de chegada da reflexão e impõe a tarefa coletiva de construção de outros referenciais de educação amparados nas experiências históricas da classe trabalhadora e os seus intelectuais orgânicos.

Abstract: This thesis takes the criticism to the historical transplantation of foreign educational models as a starting point to problematize the dependent character of the Brazilian University, in the space-time of the University Reforms conducted in the first decade of the 2000s in this country, inspired by the Bologna Reform in Europe. Within the debate of the transnationalization of higher education, it approaches the influence of the Bologna Process in Brazil, as a historical episode that demonstrates the dynamization of the dependent character of the University. To this end, it explains the approximations between one of the main programs of the University Reform in Brazil, the Support Program for Restructuring and Expansion Plans of Federal Universities/REUNI, the UniNova Project (a proposed educational model inspired by Bologna) and the Alfa-Tuning Project (a Latin version of the European Project Tuning). The theoretical-methodological path of successive approximation of this problematic reaches maturity in the following questions: How is the dependent condition of the Brazilian University dynamized in the university transformations operated in the first decade of the 2000s? Or, how does the Brazilian University express itself (or participate) in the particular dynamics of Brazilian dependent capitalism? What role does the influence of the Bologna Reform play in dynamizing the dependent condition of the Brazilian University? The defended hypothesis is that the coloniality (QUIJANO, 2005) of the Brazilian educational system is an expression of dependency, a result of the way in which the Latin American, especially Brazilian, University participates in the triggering of its structuring mechanisms: the transfer of value, the unequal exchange and the split in the capital cycle (MARINI, 2011). The most recent influence of the Bologna Process in the main University Reform programs of the first decade of the 2000s is an evidence of how educational coloniality, as an expression of dependency, is dynamized in the 2000s, responding, in the first instance, to the needs of the 'exporting pattern of productive specialization' (OSÓRIO, 2012). This pattern of reproduction of dependent capital directs university reforms in Latin America, hegemonically articulated with the needs of the market, within the transnationalization of higher education. The dependent character of the Brazilian University understood as a structural condition, which permeates the genesis and development of this institution is, therefore, the object of study of this thesis. The capture of the movement of this object was possible from the contribution of the Latin American political economy critique, especially in the context of the Marxist Theory of Dependence/TMD (MARINI, 2011), with emphasis on the category of Standard of Reproduction of Capital, developed by Jaime Osório (2012) and the theoretical elaborations on Marxian and Marxist ideology, especially in G. Lukács (2013) and A. Gramsci (2002; 2000, 1999), as well as the latter's concept of hegemony. The explanatory potential of this theoretical arsenal makes this Thesis reveal them as a fundamental interpretative path to the critical analysis of the most recent university transformations and their link to the interests of big capital. This thesis results, therefore, from a theoretical, bibliographical and documentary research, which was structured from the exploration of secondary sources about the general guidelines, trends and configurations of the axis 'European dimension' within the Bologna Reform in the period 1999 to 2012 and its influence in Brazil - which coincides with the period of the REUNI program (2007- 2012). By considering the assumption that the guidelines about the Bologna reform, produced in the first decade of the 2000s, are imported to the Brazilian reality and incorporated into expressive programs structured in the period, as is the case of REUNI and the UniNova project, we reach the following conclusions: 1) the existence of what we call the 'project-dilemma' of higher education in Brazil as a substantial relationship that explains the dynamics of the Brazilian University in the context of Latin American socio-historical formation and in the particularity of dependent capitalism. In the first decade of the 2000s, the influence of Bologna played a dynamic role in the hegemonic proposals for restructuring the Brazilian public university, reactivating the manifestations of dependency; 3) the explanatory potential of the Marxist theory of dependency/TMD for the unveiling of the particularities of the Brazilian university, 4) the discourse of university modernization as an ideology that legitimizes the hegemonic university project in dispute. What we call the project-dilemma emerges as a structural condition that makes educational problems part of an educational project. From this perspective, the limitations of the Brazilian educational system, pointed out by the discourse of \"university modernization\" as factors of \"backwardness\", are engendered in the very dynamics of reproduction of capital in dependent capitalism. The episode of the University Reform of 1968 and its continuities and ruptures in relation to the Reform conducted during the period of analysis of this Thesis demonstrate, therefore, the persistence and updating of the project-dilemma as a characteristic trait of the Brazilian dependent University - manifested, today, in the hegemony of projects committed to the construction of the so-called \"operational University\". The discourse of \"university modernization\" legitimizes these University projects aligned with the demands of the financialized market on a transnational scale. This discourse was evidenced in the propositions of the Bologna educational model and its main foundations unveiled through the theoretical contribution of the Marxian category of ideology. The dispute for hegemony between different educational projects emerges as a point of arrival of the reflection and imposes the collective task of building other references of education based on the historical experiences of the working class and its organic intellectuals.