Catadoras de materiais recicláveis e uso de medicamentos sob uma abordagem antropológica: contexto local, estigmas e autoatenção

Abstract

O manuseio dos resíduos sólidos afeta diretamente a saúde do trabalhador da catação, que exposto a diversos fatores, como sobrecarga, precarização e péssimas condições de trabalho, ocasiona adoecimento físico e mental. Este contexto de vulnerabilidade social traz consigo um processo complexo de adoeceres, em que os diversos problemas de origem social são tratados como doenças de origem biomédica. Neste contexto de estigma e marginalização social, a antropologia da saúde e dos medicamentos serão a base teórico-metodológica, tendo a autoatenção como um conceito analítico central para o estudo. A autoatenção é uma complexa via pela qual os sujeitos e seus grupos sociais constroem e vivenciam o processo saúde-doença-atenção. O objetivo desta pesquisa de Mestrado é compreender como as catadoras da Associação de Catadores do Bom Jardim (ASCABOMJA), Fortaleza, Ceará, utilizam os medicamentos a partir da perspectiva da antropologia dos medicamentos e da autoatenção. Para a realização desta pesquisa optou-se por uma pesquisa de caráter misto, utilizando uma abordagem quantitativa, através da coleta de dados sociodemográficos e dos medicamentos disponíveis nas casas das participantes, e outra de cunho qualitativo de natureza etnográfica utilizando observação participante e entrevistas aprofundadas com mulheres catadoras vinculadas à ASCABOMJA. Participaram do estudo 13 catadoras, com idades entre 23 e 59 anos, a maioria com parceiro fixo e com filhos; a escolaridade variou entre não lia/não escrevia e ensino médio completo. Os estigmas sociais envolviam questões de gênero, ocupação trabalhista e discriminação pelo local que moravam. Por viverem num contexto social complexo, observou-se impactos nos adoeceres, nos tratamentos e nas maneiras de terem acesso aos equipamentos de saúde e aos medicamentos. Na ?farmácia caseira? de 12 casas, identificaram-se 58 unidades de medicamentos, de diferentes formas farmacêuticas e guardadas em locais variados, prescritas e obtidas principalmente na unidade básica de saúde, seguido da indicação por farmacêutico do bairro. Entre esses medicamentos, 27,6% tinham ação sobre o Sistema Nervoso (analgésicos, psicolépticos e psicoanalépticos), 17,2% no Sistema Cardiovascular, 17,2% no Trato Alimentar e Metabolismo, entre outros grupos anatômico/farmacológico. As mulheres catadoras desenvolveram estratégias de autoatenção, principalmente em torno do uso de medicamentos, para lidar com as dificuldades em seus contextos locais, bem como construíram um vínculo identitário e de resistência frente às adversidades, que reverberava diretamente em melhorias nas suas condições de vida, como pode ser observado no período da pandemia de Covid-19.

Abstract: The handling of solid waste directly affects the health of the picker worker, who exposed to several factors, such as overload, precariousness and poor working conditions, causing physical and mental diseases. This context of social vulnerability brings with it a complex process of illness, in which the various problems of social origin are treated as diseases of biomedical origin. In this context of stigma and social marginalization, the anthropology of health and medicines will be the theoretical-methodological basis, with self-care as a central analytical concept for the study. Self-care is a complex way through which subjects and their social groups build and experience the health-disease-care process. The objective of this Master's research is to understand how the pickers of the Associação de Catadores do Bom Jardim (ASCABOMJA), Fortaleza, Ceará, uses medicines from the perspective of the anthropology of medicines and self-care. In order to carry out this research, a mixed character research was chosen, using a quantitative approach, through the collection of sociodemographic data and the medicines available in the homes of the participants, and another of a qualitative nature of an ethnographic nature using participant observation and in-depth interviews with women waste pickers linked to ASCABOMJA. Thirteen waste pickers participated in the study, aged between 23 and 59 years, most with a steady partner and children; education varied between not reading/not writing and completing high school. Social stigmas involved gender issues, labor occupation and discrimination based on where they lived. Because they live in a complex social context, there were impacts on falling ill, on treatments and on the ways they have access to health equipment and medicines. In the ?home pharmacy? of 12 houses, 58 medication units were identified, of different pharmaceutical forms and stored in different places, prescribed and obtained mainly in the basic health unit, followed by an indication by a neighborhood pharmacist. Among these drugs, 27.6% had action on the Nervous System (analgesics, psycholeptics and psychoanaleptics), 17.2% on the Cardiovascular System, 17.2% on the Alimentary Tract and Metabolism, among other anatomical/pharmacological groups. Women waste pickers developed self-care strategies, mainly around the use of medicines, to deal with difficulties in their local contexts, as well as they built a bond of identity and resistance in face of adversity, which directly reverberated in improvements in their living conditions, as can be seen in the period of the Covid-19 pandemic.