Abstract:
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Sendo uma pessoa negra, vivendo no sul do Brasil, fruto de uma união interracial, criado apenas com a parte branca da família, cresci com um “zumbido”, um incomodo permanentemente em plano de fundo que me lembrava que aquele não era o meu lugar.
Por mais que estivesse na minha família nunca me vi ali, de certa forma, essa sensação se expande para os arredores, não me vejo nas ruas, nas lojas, nos outdoors, na tv. As vezes, dependendo do horário e local, me vejo nas esquinas, deitado em um papelão estendido no chão úmido da cidade, pedindo por ajuda nas praças, vivendo nos locais de mais dificil acesso… Algo sempre me avisou que em alguns lugares não deveria estar, que minha presença, mesmo que passageira não era bem vinda, olhos me vigiavam.
Em 2012 fiz uma viagem para Vitória, capital do estado do Espírito Santo, já havia saído do meu estado natal (SC) anteriormente, porém ainda não havia experienciado as sensações que a capital mais ao norte do Sudeste brasileiro conseguiu me causar, o zumbido se calou, me senti pertencente.
É no mínimo curioso cruzar 1300km para o norte do Brasil para finalmente, me sentir pertencente a um lugar, mas eu um jovem negro nascido no litoral catarinense, estado esse com apenas 15,5% da população autodeclarada negra ou parda, segundo o censo do IBGE de 2010, vi em Vitória, cidade com 57% da população autodeclara negra ou parda, um lugar que me reconhecia. Não acredito que esse sentimento venha apenas pelo número de pessoas negras que passavam por mim nas ruas, existia algo ali, na história daquelas ruas, um sentimento, uma camada intocável, algo intangível que me fascinava.
O que a cidade carrega consigo? Quais as memórias das cidades? Como elas nos afetam? Como os diversos grupos da sociedade -raças, gêneros, sexualidades, classes sociais- percebem e se percebem nas ruas?
Esses são os questionamentos que me impulsionam a percorrer o caminho desse trabalho. |