(PrEP)arados: a construção técnicocientífica da homossexualidade masculina a partir da implementação da profilaxia préExposição ao HIV no Brasil

Abstract

O objetivo desta tese é analisar o papel da medicina científico-técnica nos processos de construção social da homossexualidade masculina no contexto da gestão da epidemia de HIV/aids. O foco de pesquisa é constituído pela Profilaxia Pré-Exposição ao HIV (PrEP), recurso farmacológico destinado principalmente a segmentos da população brasileira definidos como grupos prioritários ou vulneráveis ??à infecção por HIV. De acordo com a hipótese geral que orientou a pesquisa, a introdução dessa estratégia preventiva criou condições para a emergência de uma nova fase dos processos de medicalização da homossexualidade, caracterizada por modalidades inéditas de monitoramento epidemiológico e clínico-laboratorial das práticas sexuais entre os usuários da PrEP e, consequentemente, pela renovação das formas de construção médica da figura do homossexual. O ponto de vista adotado neste trabalho corresponde a uma perspectiva arqueogenealógica sobre o funcionamento da sexualidade como dispositivo de saber e de poder. Nos termos formulados por Michel Foucault, caracteriza-se pela problematização social da sexualidade no âmbito de estratégias e tecnologias políticas que intervêm, simultaneamente, no disciplinamento individual dos corpos e na gestão biopolítica das populações. A estratégia metodológica utilizada envolveu uma análise qualitativa de material oriundo de dois tipos de fontes: (i) documentos oficiais relativos a políticas, estratégias e instrumentos de gestão da epidemia de HIV/aids e da administração da PrEP no Brasil, (ii) entrevistas individuais com agentes profissionais dos serviços de saúde responsáveis ??pela organização e funcionamento da PrEP no município de Florianópolis. No que se refere aos resultados deste estudo, destaca-se a continuidade histórica de alguns padrões de medicalização da homossexualidade bem como o surgimento de novas modalidades e mecanismos que, como no caso da PrEP, redefinem a relevância biopolítica da sexualidade. Foi possível observar a vigência de elementos que denotam a preocupação médico-sanitária com a homossexualidade como fonte de periculosidade social, reformulada nos moldes da lógica do risco como recurso técnico e político que se firmou a partir da emergência da epidemia de HIV/aids. Os resultados da pesquisa mostram, ao mesmo tempo, o funcionamento da PrEP como mecanismo de individualização social por meio de discursos e práticas voltadas à responsabilização dos homossexuais promovendo o autogoverno da periculosidade que eles mesmos transportam se não aderirem ao consumo da PrEP. O apelo à responsabilidade individual dos usuários junto à ausência de estratégias de ampliação ou de universalização da cobertura da PrEP são interpretados neste trabalho como parte de uma racionalidade neoliberal e neoconservadora que orienta a gestão biopolítica da vida social no mundo contemporâneo. Por fim, os resultados da pesquisa são propostos sob a ótica da construção médico-sanitária de um perfil de homossexual na atualidade, uma vez que as estratégias e as técnicas utilizadas na coleta de usuários conduzem a espaços majoritariamente frequentados por homens brancos das classes médias e alto. Essa visão, além de transportar um perfil homogeneizante, estaria privilegiando no acesso à PrEP o segmento da população-alvo que é considerado como capaz de se autogovernar.

Abstract: The objective of this thesis is to analyze the role of technicalscientifical medicine in the social construction processes of male homosexuality in the context of the HIV/Aids epidemic management. This research focuses on the HIV PreExposure Prophylaxis (PrEP), pharmacological resource initially allocated to the sectors of Brazilian population defined as priority groups, or groups with a higher vulnerability to the HIV infection. According to th e general hypothesis that has guided the research, the introduction of this preemptive strategy has created favorable conditions for the rise of a new stage in the medicalization processes of homosexuality, characterized by unprecedented forms of epidemiological and clinicallaboratorial monitoring of sexual practices over PrEP users and, consequently, by new constructs of the homosexual medical profile. The approach taken on this paper corresponds to an archeologicalgenealogical perspective over the role of sexuality as a knowledge and power device. On Michel Foucault?s terms, it is characterized by the social stigma of sexuality in the sphere of strategical and technological policies that intervene, simultaneously, in the individual disciplining of bodies and on the biopolitical management of populations. The methodological strategy basing the research involves a qualitative analysis of data from two sources: (i) official documents related to politics, strategies and instruments of the HIV/Aids epidemic management and PrEP administration in Brazil, (ii) individual interviews with health professionals, responsible for planning and executing the PrEP program in the city of Florianópolis. Concerning the results of this study, the carryover of historical patterns of medicalization of male homosexuality must be highlighted, together with the rise of new modes and mechanisms that, as well as in the PrEP discussion, redefine the biopolitical relevancy of sexuality. In that regard, the existence of elements that denote the medicalsanitary concern over homosexuality as a source of social hazard, reformed under the riskbased logic as a technical and political resource that was developed after the HIV/Aids epidemic emergence, was observed. The outcomes of this research show that the PrEP protocol currently functions as a mechanism of social individualization through speeches and practices that aim on transferring this accountability to the homosexuals, promoting the selfgovernance of hazard that they are responsible for if not adhering to PrEP, also named as the ?responsibility pill? by the health professionals working in this area. The appeal to the individual responsibility of the users, together with the lack of strategies for increasing the coverage of the PrEP protocol to the wider population, are interpreted on this study as part of a neoliberal and neoconservative rationale that orients the biopolitical management of social life in the contemporary world. Finally, the results of this research are discussed under the lenses of the healthsanitary construct of a homosexual profile in current society, once the strategies and techniques chosen to reach the PrEP users lead to spaces mainly frequented by white, middle and upper class, males. This bias, besides carrying over a homogenizing profile of the homosexual figure, privileges PrEP access to the population considered capable of taking care of themselves. This evidences the excluding character of the current coverage of this prophylaxis strategy to the homosexual population defined by the intersectionality and social and racialethnical disparities.