Abstract:
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Este projeto buscou explorar, de um ponto de vista alinhado com a história do tempo presente, os limites empíricos das normatizações do campo museológico, ao abordar alguns condicionantes históricos para o impasse instalado em torno do conceito de museu na 25a Conferência Geral do ICOM em Quioto, em 2019. Partindo de uma retomada dos parâmetros teórico-interpretativos das museologias "crítica" (LIZANA, 2007; NAVARRO e TSAGARAKI, 2009), "tática" (BUNTINX e KARP, 2006; PADIGLIONE, 2013) e "pós-crítica" (DEWDNEY, DIBOSA e WALSH, 2013), identificamos no debate contemporâneo sobre os museus ecos de transformações mais abrangentes na forma como as sociedades ocidentais lidam com o passado.
Face aos acontecimentos trágicos do século XX, a Declaração dos Direitos Humanos, aliada a outros documentos do imediato pós- Segunda Guerra Mundial, como a Convenção do Genocídio de 1948 e as Convenções de Genebra, de 1949, figuram como demarcadores de uma nova sensibilidade para com a experiência das sociedades, na qual ressalta o interesse pelas relações de força implicadas nos processos rememorativos.
No momento em que os atos rememorativos incorporam outros sentidos que não só o de celebrar, os direitos humanos adquirem centralidade nos debates arquivísticos e museológicos, mobilizando questões como restituição de acervos, repatriação, colonialismo e reparação. (Punzalan e Sangwand 2017; Dewdney, Dibosa,Walsh 2013; ICOM 2019). Em processos transicionais que ajudaram a inspirar as políticas públicas globais, consolidou-se uma ritualística rememorativa da qual ressaltam a relevância atribuída às experiências traumáticas. Essa virada no estatuto da rememoração pode ser exemplificada pelo surgimento dos memoriais às vítimas do Holocausto, que rapidamente se instauraram como modelo para outras iniciativas semelhantes.
Este projeto teve como objetivo explorar essa possibilidade, articulando analiticamente a emergência de correntes de pensamento “crítico” na museologia com práticas militantes que potencializam o papel reflexivo e mobilizador dos atos de registro e colecionamento através do emprego de tecnologias digitais. Com seus efeitos desconstrutivos, ao longo dos últimos anos essas apropriações táticas de museus e memoriais em espaços múltiplos, virtuais e presenciais, vêm intervindo sobre o campo e os conceitos da Museologia, pressionando por uma mudança de ênfase na definição estatutária dos museus.
O material analisado nesta pesquisa refere-se a documentos publicados pelo ICOM Standing Committee for the Museum Definition, Prospects and Potentials (MDPP), comissão responsável pela elaboração do conceito de museu a ser votado na conferência de Quioto, em 2019, e a seis décadas de publicações da revista Museum International, sendo este o periódico oficial do principal órgão de regulamentação dos museus junto à UNESCO. A revista é publicada anualmente desde 1948 e cada volume divide-se em quatro edições anuais. |