Fiscalizador e leal facilitador: os graus de vigilância e de lealdade do jornalismo sobre o poder político em 2020

Abstract

A prática de vigilância e de lealdade do jornalismo ao poder político percorre toda a história da imprensa brasileira e adquire novas particularidades com a profissionalização do jornalismo e com a expansão comercial e tecnológica dos veículos de mídia. Enquanto o primeiro papel é ideologicamente aceito pelos jornalistas como exercício de boas práticas profissionais por prestar contas à sociedade dos atos de governos, políticos e Estado, o segundo é menos valorizado por atuar como porta-voz de poderosos e ir contra os pressupostos de liberdade e independência profissional. A despeito do apreço por um e desprezo por outro, os jornalistas atuam com os dois na produção diária de notícias em menor ou maior grau, a depender de uma série de fatores internos e externos ao trabalho profissional, de características culturais do jornalismo brasileiro e também de conjunturas. Diante do exposto, esta pesquisa analisa a amplitude (graus) e a maneira (perfis) com que os jornalistas desempenharam a vigilância e a lealdade ao poder político no noticiário de 2020. As análises são colocadas em perspectiva de dois contextos emblemáticos que marcaram o período: o aprofundamento da polarização política (crise sociopolítica) e a pandemia da Covid-19 (crise sanitária). As investigações também são realizadas sob a perspectiva da cultura de jornalismo do País, baseada no modelo importado dos Estados Unidos. Este trabalho faz uso do instrumento analítico de dois papéis profissionais: Fiscalizador e Leal-Facilitador, teorizados no âmbito do projeto transnacional Journalistic Role Performance (JRP), propondo uma forma diferente do JRP para medir tais papéis ao isolar o poder político dos demais poderes, o que resulta em dois novos modelos: Fiscalizador Político e Leal-Facilitador Político. No estudo são utilizados os dados da segunda etapa brasileira do projeto, resultado da Análise de Conteúdo de itens noticiosos de nove veículos nacionais de quatro tipo de mídias — jornal, televisão, rádio e portal online. A pesquisa também mede a centralidade do poder político na prática desses papéis e analisa se as especificidades de cada tipo de mídia contribuem para a vigilância e lealdade do jornalismo ao poder político. Os resultados demonstraram que os jornalistas adotaram uma postura mais vigilante do que de apoio a políticos, governos e Estado, e que tanto os contextos quanto as peculiaridades da cultura de jornalismo do País influenciaram a atuação de ambos modelos naquele ano, embora as características culturais foram mais relevantes no desempenho dos papéis.

Abstract: The practice of surveillance and loyalty in journalism to political power runs throughout the history of the Brazilian press and takes on new characteristics with the professionalization of journalism and the commercial and technological expansion of media outlets. While the first role is ideologically accepted by journalists as an exercise in good professional practices by being accountable to society for the actions of governments, politicians, and the state, the second is less valued for acting as a spokesperson for the powerful and going against the principles of freedom and professional independence. Despite the appreciation for one and disdain for the other, journalists work with both to varying degrees in the daily production of news, depending on a series of internal and external factors in professional work, cultural characteristics of Brazilian journalism, and current situations. In light of the above, this research analyzes the extent (degrees) and manner (profiles) in which journalists performed surveillance and loyalty to political power in the news coverage of 2020. The analyses are placed in the perspective of two emblematic contexts that marked the period: the deepening of political polarization (sociopolitical crisis) and the Covid-19 pandemic (health crisis). The investigations are also carried out from the perspective of the country's journalism culture, based on the model imported from the United States. This work uses the analytical instrument of two professional roles: the Watchdog and the Loyal-Facilitator, theorized within the framework of the transnational project Journalistic Role Performance (JRP), proposing a different form of JRP to measure these roles by isolating political power from other powers, resulting in two new models: Political Watchdog and Political Loyal-Facilitator. The study uses data from the second Brazilian stage of the project, the result of Content Analysis of news items from nine national outlets of four types of media — newspaper, television, radio, and online portal. The research also measures the centrality of political power in the practice of these roles and analyzes whether the specificities of each type of media contribute to the surveillance and loyalty of journalism to political power. The results showed that journalists adopted a more vigilant stance than one of support for politicians, governments, and the state, and that both contexts and the peculiarities of the country's journalism culture influenced the performance of both models in that year, although cultural characteristics were more relevant in the role's performance.