dc.contributor |
Universidade Federal de Santa Catarina |
|
dc.contributor.advisor |
Tesser, Charles Dalcanale |
|
dc.contributor.author |
Pereira, Léo Fernandes |
|
dc.date.accessioned |
2024-02-06T23:22:52Z |
|
dc.date.available |
2024-02-06T23:22:52Z |
|
dc.date.issued |
2024 |
|
dc.identifier.other |
386115 |
|
dc.identifier.uri |
https://repositorio.ufsc.br/handle/123456789/254205 |
|
dc.description |
Tese (doutorado) - Universidade Federal de Santa Catarina, Centro de Ciências da Saúde, Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva, Florianópolis, 2024. |
|
dc.description.abstract |
O yoga passou por expressivas modificações de significado no último século. Essas transformações, que refletem o seu processo de ocidentalização e globalização, conformaram o entendimento [de que] o yoga é uma prática que combina posturas físicas, técnicas de respiração, meditação e relaxamento. Considerado um construto de grande adaptabilidade social e cultural, portador de discursos híbridos (científicos e tradicionais), o yoga foi categorizado como Prática Integrativa e Complementar em Saúde (PICS) pelo governo brasileiro. Desde a década de 1990, autores têm discutido o movimento de adequação do yoga ao racionalismo técnico-científico, em geral, e à biomedicina em particular, processo este denominado 'medicalização do yoga'. Iniciada há um século atrás, a medicalização do yoga salta à vista quando se observa o aumento acelerado, ocorrido na última década, de Ensaios Clínicos Randomizados (ECR) voltados para a investigação da eficácia de suas técnicas mais conhecidas voltadas especialmente para a prevenção de doenças cardiovasculares Se, por um lado, há uma profusão de pesquisas médicas acerca dos efeitos da prática de yoga, por outro, são escassos os estudos sociológicos que discutem em profundidade o seu processo de medicalização ou que abordam as diferenças epistemológicas, ontológicas e metodológicas dessas tradições — a biomedicina e os Vedas. Além disso, outros autores constatam uma diluição de seus fundamentos filosóficos, que se constata na ausência de conceitos de sua tradição originária, dentre eles, o correlato sânscrito para coração (hṛdayam). Assim, a presente tese partiu da questão — como seria um yoga inserido na Saúde Coletiva (SUS), mais alinhado à ontologia, epistemologia e metodologia da tradição védica, em específico, da escola não-dual indiana (Advaita Vedanta), voltado para a prevenção das doenças cardiovasculares? A pesquisa teve como objetivo principal analisar elementos ontológicos, epistemológicos e metodológicos da tradição védica e da prevenção das doenças cardiovasculares, visando fornecer subsídios teóricos para a idealização de um yoga no SUS voltado para a saúde do coração. Para isso, foram delineados quatro objetivos específicos: Analisar elementos ontológicos, epistemológicos e metodológicos da tradição védica com enfoque na escola Advaita Vedānta de Śaṅkarācārya; Discutir a medicalização do yoga e pesquisas científicas associadas, tendo como exemplo o uso da prática na prevenção das DCV; Identificar aspectos estruturantes da abordagem médica sobre a prevenção das DCV e da construção dos fatores de risco associados; Explorar elementos da tradição analisada para o campo da Saúde Coletiva, dialogando com outras correntes do pensamento que possam contribuir para idealização de um yoga no SUS voltado para a saúde do coração. A pesquisa, de natureza hermenêutico-fenomenológica e de orientação decolonial, foi orientada por um método próprio da tradição védica, adaptado e organizado em: 1) escuta (do pesquisador frente à exposição do tema por meio de um professor vinculado à tradição); 2) raciocínio e ponderação (sobre os conteúdos expostos); 3) consideração contemplativa (sobre os assuntos que passaram ao crivo da razão). Duas perspectivas foram valorizadas na pesquisa: a êmica, na qual se busca compreender os significados, valores, prescrições e axiomas que residem na tradição, a partir do ponto de vista do adepto; e a perspectiva ética, que, por meio da análise externa, sociológica, buscou-se compreender os limites discursivo da tradição e, assim, tecer críticas. Foi investigado, em textos selecionados, os conceitos nativos de hṛdayam (coração), sabda (palavra) e yoga (método), associados à ontologia, epistemologia e metodologia dessa tradição, respectivamente. Foram constatadas diferenças radicais entre a racionalidade biomédica e tradição védica no que tange ao entendimento de 'coração'. Foram elencados cinco características associadas ao hṛdayam 1) hṛdayam como um suporte (alambana) para a meditação (upasana) sobre o atma; 2) hṛdayam como parte de uma morfofisiologia suprassensível; 3) hṛdayam como um referente no mundo ("um pedaço de carne"); 4) hṛdayam como intelecto; 5) hṛdayam contendo tristezas ou 'nós'. A tradição védica possui sua própria teoria epistemológica, com princípios gnosiológicos muito semelhantes aos usados tanto na vida cotidiana quanto na ciência, incluindo percepção direta, lógica e inferência. No entanto, a tradição apresenta um meio de conhecimento singular, simbolizado na palavra védica (śabda), ou, de forma mais ampla, na tradição de ensino mestre-discípulo (guru-śiṣya-paramparā) ancorada na hermenêutica escritural voltada para o conhecimento de brahman. As Upaniṣad’s visam à liberação existencial (mokṣa) por meio do conhecimento de que o indivíduo é, essencialmente, o absoluto. O sofrimento existe devido à ignorância fundamental (avidyā) do sujeito sobre este princípio ontológico único, brahman. Essa ignorância se manifesta como um processo singular de superimposição (adhyāsa), no qual a noção de sujeito é distorcida por fatores limitantes (upādhi’s). Nesse contexto, yoga é todo e qualquer recurso que permite, ao interessado, a apreensão do conhecimento soteriológico contido nas escrituras (vistas como autoridade epistemológica). Em específico, yoga é um processo introspectivo e discriminativo entre o real e o aparente que visa à eliminação de noções errôneas que o sujeito tem sobre si, possuindo, assim, relação com a ideia de discernimento. A 'saúde do coração', do ponto de vista da tradição yóguica, está mais relacionada ao impacto dos desejos sobre o grau de apego do sujeito à dimensão empírica de sua existência, do que aos marcadores fisiológicos associados ao sistema cardiovascular. Também, o estudo identificou um significado pouco explorado de yoga, desconhecido no SUS: como artifício, da ordem do discurso. Tal yoga poderia, por meio da falseabilidade dos 'adjuntos limitantes', servir como prevenção quaternária, contrapondo-se ao processo de reificação e de introjeção dos fatores de risco, o que é significativo, devido à promessa da medicina preventiva de perfilar bioidentidades com base em marcadores moleculares de risco. O processo de antecipação, característico de nossa sociedade e reforçador da abordagem preventiva das DCV, tem levado à extensiva e intensiva medicalização da prevenção focada nos comportamentos individuais, com significativo potencial de danos e relativamente poucos benefícios. Embora tenhamos observado algumas ambiguidades do yoga contemporâneo em relação ao tema, constatamos que a sua lógica não-abdutiva pode ser explorada de forma a reduzir a medicalização na P1 das DCV, através da articulação dos seus já conhecidos benefícios líquidos revelados por evidências com seu corpo de saber filosófico-existencial. O yoga ainda é pouco explorado enquanto atividade centrada na e pela palavra, considerando os caminhos desse saber na ocidentalização. Há de se considerar, também, a influência da ideologia neoliberal na sua conformação e popularização, outrora estabelecido em um contexto hermenêutico-dialógico, entre mestre e discípulo, agora formatado em aulas práticas, com narrativas espirituais ajustadas à lógica do mercado. |
|
dc.description.abstract |
Abstract: Yoga has undergone significant changes in meaning over the last century. These transformations, reflecting its process of Westernization and globalization, have shaped the understanding that yoga is a practice combining physical postures, breathing techniques, meditation, and relaxation. Considered a construct of great social and cultural adaptability, carrying hybrid discourses (scientific and traditional), yoga has been categorized as Complementary and Integrative Health Practice (CIHP) by the Brazilian government. Since the 1990s, authors have discussed the adaptation of yoga to technical-scientific rationalism in general and biomedicine in particular, a process known as the 'medicalization of yoga.' Initiated a century ago, the medicalization of yoga becomes evident with the accelerated increase in Randomized Clinical Trials (RCTs) focusing on the effectiveness of its well-known techniques, especially in preventing cardiovascular diseases. While there is a proliferation of medical research on the effects of yoga practice, sociological studies discussing its process of medicalization or addressing the epistemological, ontological, and methodological differences between these traditions — biomedicine and the Vedas — are scarce. Additionally, some authors note a dilution of its philosophical foundations, evidenced by the absence of concepts from its original tradition, including the Sanskrit equivalent for the heart (hṛdayam). Thus, this thesis arose from the question — what would a yoga integrated into the Collective Health System (SUS), more aligned with the ontology, epistemology, and methodology of the Vedic tradition, specifically the non-dual Indian school (Advaita Vedanta), look like, focused on preventing cardiovascular diseases? The main objective of the research was to analyze ontological, epistemological, and methodological elements of the Vedic tradition and the prevention of cardiovascular diseases, aiming to provide theoretical foundations for the conceptualization of yoga in SUS focused on heart health. Four specific objectives were outlined: 1) Analyze ontological, epistemological, and methodological elements of the Vedic tradition with a focus on the Advaita Vedanta school of Śaṅkarācārya; 2) Discuss the medicalization of yoga and associated scientific research, using the example of its use in cardiovascular disease prevention; 3) Identify structuring aspects of the medical approach to cardiovascular disease prevention and the construction of associated risk factors; 4) Explore elements of the analyzed tradition for the field of Collective Health, engaging with other schools of thought that may contribute to the conceptualization of yoga in SUS focused on heart health. The research, hermeneutic-phenomenological in nature and guided by a decolonial orientation, followed a method derived from the Vedic tradition, adapted and organized into: 1) listening (researcher's engagement with the theme through a teacher linked to the tradition); 2) reasoning and consideration (on the exposed contents); 3) contemplative consideration (on the subjects subjected to reason). Two perspectives were valued in the research: the emic, seeking to understand the meanings, values, prescriptions, and axioms inherent in the tradition from the practitioner's viewpoint; and the ethical perspective, which, through external sociological analysis, aimed to understand the discursive limits of the tradition and formulate criticisms. Selected texts were investigated for native concepts of hṛdayam (heart), sabda (word), and yoga (method), associated with the ontology, epistemology, and methodology of this tradition, respectively. Radical differences between biomedical rationality and the Vedic tradition regarding the understanding of 'heart' were identified. Five characteristics associated with hṛdayam were listed: 1) hṛdayam as a support (alambana) for meditation (upasana) on the atma; 2) hṛdayam as part of a suprasensible morphophysiology; 3) hṛdayam as a referent in the world (\"a piece of meat\"); 4) hṛdayam as intellect; 5) hṛdayam containing sorrows or 'knots.' The Vedic tradition has its own epistemological theory, with gnosiological principles very similar to those used in everyday life and science, including direct perception, logic, and inference. However, the tradition presents a unique means of knowledge, symbolized in the Vedic word (sabda), or more broadly, in the master-disciple teaching tradition (guru-śiṣya-paramparā) anchored in scriptural hermeneutics focused on the knowledge of brahman. The Upaniṣads aim for existential liberation (mokṣa) through the knowledge that the individual is essentially the absolute. Suffering exists due to the fundamental ignorance (avidya) of the subject about this unique ontological principle, brahman. This ignorance manifests as a singular process of superimposition (adhyasa), where the notion of the subject is distorted by limiting factors (upadhi's). In this context, yoga is any means that allows the seeker to grasp the soteriological knowledge contained in scriptures (seen as epistemological authority). Specifically, yoga is an introspective and discriminative process between the real and the apparent that aims to eliminate erroneous notions the subject has about themselves, involving discernment. 'Heart health,' from the yogic tradition's perspective, is more related to the impact of desires on the subject's attachment to the empirical dimension of their existence than to physiological markers associated with the cardiovascular system. The study also identified a less-explored meaning of yoga, unknown in SUS: as a device, in the realm of discourse. This form of yoga could, through the falsifiability of 'limiting adjuncts,' serve as quaternary prevention, countering the process of reification and the internalization of risk factors, which is significant given the promise of preventive medicine to profile bioidentities based on molecular risk markers. The anticipation process, characteristic of our society and reinforcing the preventive approach to cardiovascular diseases, has led to extensive and intensive medicalization focused on individual behaviors, with significant potential for harm and relatively few benefits. While some ambiguities of contemporary yoga on this issue were observed, its non-abductive logic can be explored to reduce medicalization in Phase 1 of cardiovascular disease prevention, aligning its known net benefits revealed by evidence with its philosophical-existential body of knowledge. Yoga is still relatively unexplored as an activity centered on and through language, considering the paths of this knowledge in Westernization. The influence of neoliberal ideology on its shaping and popularization, once established in a hermeneutic-dialogical context between master and disciple, is now formatted into practical classes,with spiritual narratives adjusted to the logic of the market. |
en |
dc.format.extent |
300 p.| il., gráfs. |
|
dc.language.iso |
por |
|
dc.subject.classification |
Saúde pública |
|
dc.subject.classification |
Ioga |
|
dc.subject.classification |
Sistema cardiovascular |
|
dc.subject.classification |
Medicina preventiva |
|
dc.title |
O yoga e a prevenção de doenças cardiovasculares: um estudo hermenêutico entre a tradição védica e a medicina preventiva |
|
dc.type |
Tese (Doutorado) |
|
dc.contributor.advisor-co |
Poletto, Claudia Elisa |
|