A insurreição lírica de Carlos de Assumpção: uma escuta da performance vocal do poeta em ?Protesto?

Abstract

O grito de protesto de sujeitos controlados por um sistema oriundo e resultante na forma racista da biopolítica, para usar os termos de Michel Foucault (1975-1976), ecoa através das gargantas líricas que representam uma corporeidade ancestral de luta e resistência contra a opressão. Invisibilizado por muitas décadas, a despeito de sua prolífica participação no cenário político social no âmbito de movimentos antirracistas, o poeta Carlos de Assumpção tem sido, hodiernamente, apontado pela crítica literária como um autor contemporâneo culturalmente relevante à pauta antirracista. Nesta dissertação interpreto a performance vocal do autor do poema Protesto que figura no documentário ?Carlos de Assumpção: Protesto?, dirigido por Alberto Pucheu (2019), a fim de evidenciar a realidade histórica no gesto vocal do poeta. Analiso o objeto poético de pesquisa como performance alicerçado em estudos de Paul Zumthor. É partindo da voz do poeta Carlos de Assumpção, tanto como presença corporal quanto deriva de relações político-poéticas, que mostro os efeitos de ressubjetivação na performance do poema ?Protesto?, destacando sua participação no concerto de vozes políticas que incide na (re)construção da História. Lanço mão da teoria da enunciação, construída por Émile Benveniste, para analisar aspectos formais do objeto de pesquisa, de modo a elucidar o processo de clivagem de vozes na enunciação do poeta. Aliado a isso, disseco um trecho da montagem audiovisual do documentário ?Carlos de Assumpção: Protesto? a partir de conceitos da teoria da adaptação cunhados por Linda Hutcheon. Nesse recorte, é possível explicar como o poeta Carlos de Assumpção, por meio de sua performance, questiona os elementos autoritários e repressivos que estimulam o negrocídio, representando-se, assim, como testemunho político de resistência a condições de violência. A favor do argumento que destaca o caráter do testemunho na enunciação de Carlos de Assumpção, fundamento minha discussão nos escritos de Giorgio Agamben e Jacques Derrida. Auscultada através da perspectiva histórica de O genocídio do negro brasileiro de Abdias Nascimento, a voz de Carlos de Assumpção, como objeto de estudo desta dissertação, evidencia um discurso crítico de oposição à biopolítica eugenista e segregacionista de um Estado de exceção pautado em práticas racistas. E essa análise, tendo apontado na performance do referido poeta o caráter político das vozes plurais, me incita a dialogar com Adriana Cavarero. Articulo, em nível de arquivo, estudos de Michel Foucault para entender o fenômeno de espiritualidade política no ato de insurreição do poeta em ?Protesto?. Com esses diálogos, considero que o poeta, no documentário ?Carlos de Assumpção: Protesto?, constitui-se como sujeito crítico por meio do emprego da linguagem na relação entre o dentro e o fora da língua, em que o dentro é a potência da possibilidade e o fora é a impossibilidade de dizer. Em suma, a performance do poema ?Protesto?, de Carlos de Assumpção, mobiliza efeitos de ressubjetivação por meio da clivagem de vozes que resulta na formação discursiva do testemunho que resiste à biopolítica racista.

Abstract: The protest from subjects controlled by a system originating and resulting from the racist form of biopolitics, using Michel Foucault's (1975-1976) terms, echoes through the lyrical throats representing an ancestral corporeality of struggle and resistance against oppression. Invisible for many decades, despite his prolific participation in the social political scene within anti-racist movements, poet Carlos de Assumpção has been, today, pointed out by literary criticism as a culturally relevant contemporary author for the anti-racist agenda. In this dissertation, I interpret the lyrical performance of the author of the poem ?Protesto? featured in the documentary ?Carlos de Assumpção: Protesto?, directed by Alberto Pucheu (2019), to highlight the historical reality in the poet's vocal gesture. I analyze the poetic research object as performance grounded in Paul Zumthor's studies. Starting from Carlos de Assumpção's voice, both as a bodily presence and a drift of political-poetic relations, I demonstrate the effects of resubjectivation in the performance of the poem ?Protesto? highlighting its participation in the concert of political voices that affects the (re)construction of history. I use Émile Benveniste's theory of enunciation to analyze formal aspects of the research object, elucidating the process of voice cleavage in the poet's enunciation. Additionally, I dissect a segment of the audiovisual montage of the documentary ?Carlos de Assumpção: Protesto? based on concepts from Linda Hutcheon's adaptation theory. In this section, I explain how poet Carlos de Assumpção, through his performance, questions the authoritarian and repressive elements that stimulate negrocide, thus representing himself as a political testimony of resistance to conditions of violence. In support of the argument highlighting the testimony character in Carlos de Assumpção's enunciation, I base my discussion on the writings of Giorgio Agamben and Jacques Derrida. Examined through the historical perspective of Abdias Nascimento's O genocídio do negro brasileiro, Carlos de Assumpção's voice, as the object of study of this dissertation, reveals a critical discourse opposing the eugenicist and segregationist biopolitics of a state of exception based on racist practices. And this analysis, having pointed out the political character of plural voices in the poet, incites me to engage with Adriana Cavarero. At the archive level, I articulate Michel Foucault's studies to understand the phenomenon of political spirituality in the poet's insurrection act in ?Protesto.? With these dialogues, I believe that the poet, in the documentary ?Carlos de Assumpção: Protesto,? constitutes himself as a critical subject using language in the relationship between the inside and outside of language, where the inside is the power of possibility, and the outside is the impossibility of saying. In summary, the performance of the poem ?Protesto? by Carlos de Assumpção mobilizes effects of resubjectivation through the cleavage of voices that result in the discursive formation of testimony resisting racist biopolitics.