Proteção e acesso à saúde dos povos indígenas do Brasil no contexto da pandemia de covid-19: análise documental das ações do governo federal e a insurgência indígena

Abstract

Em março de 2020 a população mundial atravessava o início da pandemia de Covid-19. No Brasil a contaminação se alastrou sem limites, atingindo alto número de mortes. Desde então, marcadores sociais como raça, gênero e classe social foram elementos importantes na compreensão dos possíveis desdobramentos. Neste contexto, a população indígena precisou adotar medidas de defesa de seus interesses em saúde. Enviesados por uma narrativa negacionista do governo federal, muitos foram os percalços enfrentados. Esta pesquisa procurou compreender como a proteção e o acesso à saúde indígena foram promovidos durante a pandemia no Brasil através da investigação de normativas produzidas pelo governo federal, bem como se deu o processo de enfrentamento do cenário pandêmico pelos povos originários. Para tanto, buscamos e selecionamos documentos datados do período de março de 2020 a março de 2022 nas plataformas virtuais e os organizamos em três grupos: ?representatividade indígena?, ?governo federal? e ?representantes da sociedade civil?. Através do Software ?Atlas.Ti®? realizamos a codificação e categorização textual a fim de facilitar a Análise Temática do Conteúdo. Os achados evidenciaram uma política anti-indígena que além de não cumprir o papel de proteção necessário, realizou corte orçamentário, propagou inverdades e distorções sobre protocolos de atendimento, sobre o uso das vacinas, e dificultou a aprovação de propostas elaboradas com base na participação social. O governo afetou ainda outras áreas de interesse de fundamental importância para os povos originários, tais como projetos de lei que retrocedem conquistas em relação à demarcação de terras, facilitando invasão e estratificação das mesmas. O relatório sobre violência indígena (2020) apontou que situações precárias se repetiram com extrema gravidade, inclusive para atender pretensões econômicas e políticas em vigor no país. Paralelamente a esta realidade, foi possível vislumbrar a postura de enfrentamento e articulação do movimento indígena na proteção de suas comunidades e identidades ainda que amargas memórias sobre as epidemias de outros tempos tenham sido reavivadas pela atual. Assim, sob o escopo de uma Bioética Latino Americana, que propõe reflexões sobre a realidade histórica e criticamente situada, pensamos possibilidades de contribuições analíticas no âmbito da saúde indígena brasileira, tal qual uma análise dos problemas éticos ampliados por suas lentes propostas por este recorte. Dentre os achados, um dos maiores desafios parece ser exercer a transdisciplinaridade quando se vive numa lógica de diálogo desigual, em que não se consideram iguais os interlocutores.

Abstract: In March 2020, the world's population was going through the onset of the Covid-19 pandemic. In Brazil, the contamination spread without limits, reaching a high number of deaths. Since then, concepts such as race, gender and social class have been important elements in understanding the possible developments. In this context, the indigenous population had to adopt measures to defend their interests in the field of health. Interspersed by a government narrative that denied the alarming situation, many were the mishaps faced. This research sought to understand how protection and access to indigenous health were promoted during the pandemic in Brazil through the investigation of norms produced by the federal government, as well as the process of coping with the pandemic scenario by the original peoples. To this end, we searched for and selected documents dated from March 2020 to March 2022 on virtual platforms and organized them into three groups: indigenous representativeness, federal government and civil society representatives. Through the ?Atlas.Ti®? software, we carry out the textual coding and categorization in order to facilitate the Thematic Analysis of the Content. The findings showed an anti-indigenous policy that, in addition to not fulfilling the necessary protection role, carried out a budget cut it propagated untruths and distortions about care protocols and the use of vaccines, and made it difficult to approve proposals prepared based on social participation. The government also affected other areas of interest of fundamental importance to the original peoples, such as bills that set back achievements in relation to the demarcation of lands, facilitating their invasion and stratification. The report on indigenous violence (2020) pointed out that precarious situations were repeated with extreme gravity, including to meet economic and political pretensions in force in the country. Parallel to this reality, it was possible to glimpse the posture of confrontation and articulation of the indigenous movement in the protection of their communities and identities, even though bitter memories about the epidemics of other times have been revived by the current one. Thus, under the scope of a Latin American Bioethics, which proposes reflections on reality that is always historically and critically situated, we think of possibilities for analytical contributions in the context of Brazilian indigenous health, such as an analysis of ethical problems amplified by the lenses proposed by this clipping . Thus, under the scope of a Latin American Bioethics, which proposes reflections on reality that is always historically and critically situated, we think of possibilities for analytical contributions in the context of Brazilian indigenous health, such as an analysis of ethical problems amplified by the lenses proposed by this clipping. Among the findings, one of the biggest challenges seems to be exercising transdisciplinarity when living in an unequal dialogue logic, in which the interlocutors are not considered equal.