Polarização política: sentidos produzidos por psicólogos que atuam no campo da saúde mental

Abstract

O cenário político brasileiro tem passado na última década por uma intensa polarização assimétrica, com a radicalização ideológica da direita, seguido de um perceptível antagonismo no campo afetivo. Assim, as repercussões do fenômeno vêm acompanhadas, além de uma crise política sem precedentes na democracia brasileira desde a redemocratização, de um processo de rupturas sociais, especialmente nos âmbitos familiar e comunitário, nas relações de amizade, produzindo sofrimento e impactando na saúde mental de uma coletividade. Esta pesquisa teve por objetivo refletir sobre as repercussões psicossociais do cenário de radicalização da polarização política. Desta forma, inicialmente identificou-se os marcadores históricos que contribuíram na radicalização da polarização política na história recente do Brasil para, em seguida, discutir a crise nas democracias liberais no âmbito macropolítico, cujo giro às posições mais extremistas e radicais constituem-se de um intenso antagonismo pautado no ódio e calcado na noção do inimigo comum a ser oprimido. Posteriormente, apresentou-se perspectivas do campo das ciências humanas, com ênfase à Psicologia Social, a fim de situar o fenômeno na interface com a saúde mental. Em seguida, apresentamos o resultado de 09 entrevistas em profundidade com psicólogas(os) que atuam no campo da saúde mental, a partir do referencial teórico do construcionismo social, sobre o contexto de polarização política e seus efeitos na clínica, cujos sentidos produzidos foram analisados a partir de 4 categorias, assim nominadas: 1) Sentidos no trabalho; 2) Sentidos em si; 3) Escutas do outro; 4) Olhares para o futuro. Concluiu-se que o fenômeno atravessou de maneiras distintas, em alguns casos; e semelhantes, em outros, o cotidiano profissional e pessoal dos participantes da pesquisa. Contudo, seus efeitos foram evidenciados concretamente no fazer em saúde mental, seja no sentido das relações profissionais/institucionais, seja pelos atravessamentos pessoais ou pela escuta clínica das pessoas que estes psicólogos atenderam, seja enquanto perspectiva de futuro. Entretanto, houve uma unanimidade construída no diálogo com os participantes da pesquisa: de que a fratura no tecido social, provocada pela polarização da extrema-direita no Brasil, além de produzir sofrimento, violência política e rompimentos afetivos significantes, exigirá dos profissionais e pesquisadores do campo da saúde mental o compromisso ético-político para encontrar caminhos possíveis ao enfrentamento de suas repercussões na saúde e na convivência social e comunitária.

Abstract: The Brazilian political scenario has undergone intense asymmetrical polarization over the last decade, with the ideological radicalization of the right, followed by a noticeable antagonism in the emotional field. Thus, the repercussions of the phenomenon are accompanied, besides an unprecedented political crisis in Brazilian democracy since the redemocratization process, by a process of social ruptures, especially in family and community settings, in friendships, producing suffering and impacting the mental health of a collective. This research aimed to reflect on the psychosocial repercussions of the scenario of political polarization radicalization. In this way, initially, historical markers that contributed to the radicalization of political polarization in Brazil's recent history were identified, followed by a discussion of the crisis in liberal democracies in the macropolitical sphere, whose turn to more extremist and radical positions constitute an intense antagonism based on hatred and rooted in the notion of a common enemy to be oppressed. Subsequently, perspectives from the field of human sciences, with emphasis on Social Psychology, were presented in order to situate the phenomenon at the interface with mental health. Next, we present the results of 09 in-depth interviews with psychologists working in the field of mental health, based on the theoretical framework of social constructionism, about the context of political polarization and its effects on clinical practice, whose meanings produced were analyzed based on 4 categories, thus named: 1) Meanings at work; 2) Meanings in themselves; 3) Listening to the other; 4) Outlooks for the future. It was concluded that the phenomenon crossed the daily professional and personal lives of the research participants in distinct ways in some cases, and in similar ways in others. However, its effects were concretely evidenced in mental health practice, whether in the sense of professional/institutional relationships, through personal involvements, or through clinical listening to the people these psychologists attended to, as well as in terms of future perspective. However, there was unanimity built in dialogue with the research participants: that the fracture in social fabric, caused by the extreme right-wing polarization in Brazil, will not only produce suffering, political violence, and significant emotional ruptures, but will also require professionals and researchers in the field of mental health the ethical-political commitment to find possible paths to address its repercussions on health and on social and community coexistence.