Psicanálise no SUAS: contratransferências na clínica socioassistencial da violência

Abstract

Essa dissertação procura realizar uma articulação entre a violência, o campo socioassistencial e a psicanálise. Parte da premissa de que viver uma violência produz efeitos psíquicos em quem nela se encontra envolvido, mas também naqueles que a testemunham direta ou indiretamente. Tendo isso por base, procura investigar especificidades da incidência desses efeitos em um contexto particular de trabalho com pessoas em situações de violência. Seu objetivo geral é investigar efeitos psíquicos em profissionais que vivenciam a atenção a casos de pessoas em situações de violência no contexto de serviços do Sistema Único de Assistência Social (SUAS). Tendo como eixo teórico e metodológico a psicanálise, foram entrevistadas 5 profissionais Psicólogas e Assistentes Sociais que atuam ou atuaram em serviços do SUAS de atenção às violências. Levando em consideração que os efeitos psíquicos identificados resultam do encontro de aspectos singulares das vidas das profissionais com certas recorrências que ordenam e estruturam o campo socioassistencial das violências, foi realizada uma análise singular de cada entrevista e a construção de 4 categorias de análise transversais às entrevistas. O estudo analisa que certas características de serviços socioassistenciais de atenção às violências são estruturalmente similares a situação da clínica psicanalítica e, com base nisso, aponta que os efeitos identificados nas profissionais se relacionam com a dinâmica da transferência e contratransferência que se delineia no acompanhamento dos casos. Ao vivenciar o acompanhamento de casos profissionais, em linhas gerais, sentem angústia, tristeza, culpa, impotência/onipotência, sonham com as pessoas que atendem, lembram delas em ocasiões fora do trabalho, sentem desesperança na humanidade e nas leis, anseiam pelo desfecho de suas intervenções, imaginam que foram falhas, envolvem-se emocionalmente com os casos, tem ideais e fantasias de cura da situação, esperam conseguir resolver os casos e, muitas vezes, acreditam que a solução desses seria garantir que as pessoas atendidas alcançassem uma condição ideal, em geral, moldada à própria imagem ou às próprias circunstâncias de vida. Tais efeitos são associados a aspectos singulares da história de cada profissional e emergem ligados a 4 dimensões que atravessam os acompanhamentos dos casos. A primeira é o caso propriamente dito, onde se identificam com as pessoas ou a situação de violência atendida, reagem ao contato com a violência e a angústia que sua dimensão traumática desperta e, ainda, encontram dilemas éticos no acompanhamento de pessoas supostamente agressoras. A segunda é a qualidade do tecido institucional que estão situadas, onde experimentam nas relações interpessoais dinâmicas de solidariedade e continência, mas também tensões e conflitos, sobretudo com gestores. A terceira é a violência de Estado como uma face da violência que atravessa tanto a determinação dos casos, quanto as condições de acompanhamento dos mesmos em uma política de Estado. A quarta é a tensão da luta de classes, presente sobretudo na desigualdade dos circuitos materiais e simbólicos da vida das profissionais em contraste às vidas das pessoas que atendem. Por meio desta pesquisa, buscamos qualificar o debate sobre a violência, contribuindo com o aprimoramento do manejo clínico junto às pessoas em situações de violência.

Abstract: This master thesis proposes a connection between violence, social assistance and psychoanalysis. It departs from the premise that experiencing violence produces psychic effects on those personally involved, but also on those who witness violence directly or indirectly. Based on this assumption, the thesis investigates the specificities of the incidence of such effects, particularly in the context of working with people in situations of violence. Its main objective is to analyze psychic effects on professionals who assist people in situations of violence at the Unified Social Assistance System (Sistema Único de Assistência Social - SUAS). Having employed psychoanalysis as a theoretical and methodological framework, 5 Psychologists and Social Workers who work or have worked at SUAS were interviewed. Considering that the identified psychic effects result both from the unique aspects in the private lives of each professional, as well as from certain recurrences that order and structure the social work for violence, a unique analysis of each interview and the construction of 4 categories of transversal analysis of the interviews were carried out. The study analyzes that certain aspects of the social work for violence are structurally similar to the circumstances in the psychoanalytic practice and, based on this, points out that the effects identified in professionals are related to the dynamics of transference and countertransference observed in the cases. While dealing with the cases the professionals generally feel anxiety, sadness, guilt, impotence/omnipotence, dream about the people they attend, remember them on occasions outside work, feel hopeless about humanity and towards the legal system, yearn for the outcome of their interventions, imagine that their interventions failed, become emotionally involved with the cases, have ideals and fantasies of fixing the situation, hope to be able to resolve the cases and, very often, believe that the resolution to the cases would be to ensure that the people they assist reach an ideal condition, in general shaped by their own image or life circumstances. Such effects are associated with unique aspects of each professional's biography and are linked to the 4 dimensions that emerge in the follow up of the cases. The first dimension is the case itself, in which they identify themselves with the people or the situation of violence they assisted, react to the contact with violence and the anxiety that its traumatic dimension arouses, and also encounter ethical dilemmas in monitoring people who are supposedly aggressors. The second is the quality of the institutional environment in which they are located, where they experience dynamics of solidarity and continence in interpersonal relationships, but also tensions and conflicts, especially with managers. The third is state violence as a facet of violence that permeates both the determination of cases and the conditions for monitoring them in a state policy. And the fourth is the tension arising from the class struggle, present above all in the inequality between the material and symbolic circuits of the professionals' lives and the lives of the people they assist. Through this research, we seek to qualify the debate on violence, contributing to the improvement of clinical management with people in situations of violence.