"Não é só pelo cartão": a psicanálise e o olhar dos sujeitos atendidos pelo serviço PAEFI/SUAS

Abstract

Esta pesquisa se propôs, por meio da epistemologia da psicanálise, a estudar o trabalho da psicologia no serviço PAEFI, tendo como objetivo geral analisar como os sujeitos atendidos significam o trabalho dos profissionais de psicologia neste serviço e, como objetivos específicos: 1) caracterizar quem são os sujeitos atendidos pelo PAEFI, 2) identificar os efeitos subjetivos da escuta dos psicólogos nos sujeitos atendidos no PAEFI, e 3) investigar a relação entre a atuação da psicologia e a implicação do sujeito no processo acompanhamento psicossocial do PAEFI. Esta pesquisa, de natureza qualitativa, descritiva e exploratória, utilizou a entrevista semiestruturada com usuários de dois PAEFI?s do município de Florianópolis. A partir do método psicanalítico e da Análise do Discurso, buscou-se analisar os significantes e sentidos singulares que cada sujeito atribuiu às suas experiências, com intuito de abarcar os ditos e não-ditos produzidos por esses mediante suas trajetórias no PAEFI. No total, foram entrevistados quatro ex-usuários do PAEFI e, por meio da análise das entrevistas, foram construídas as seguintes categorias:1) Violências nas trajetórias dos sujeitos atendidos no PAEFI: o caráter sistêmico e repetitivo das violações, 2) Labirintos institucionais: a intersetorialidade e a atuação ética-política no PAEFI e 3) Aposta no PAEFI enquanto dispositivo clínico-político. Em termos de resultados, pode-se afirmar que os sujeitos entrevistados consideraram o PAEFI, por um lado, como um lugar de apoio, acolhimento e promotor de novas significações e laços sociais em suas vidas familiares e comunitárias; por outro, como um lugar que opera pela lógica policialesca e julgadora. Por ser um serviço em que sua precarização e fragmentação impacta negativamente na saúde mental tanto do trabalhador como dos usuários, a atuação intersetorial e institucional se faz fundamental para ofertar um trabalho qualificado e consistente no PAEFI. A partir disso, foi possível perceber que, mesmo nessas condições precárias dos serviços públicos e mesmo que os sujeitos atendidos são constituídos e imersos em uma trama sociopolítica que se tece por diversas formas de violências - principalmente a do Estado -, o fato de contarem com um espaço para serem escutados e se escutarem, de terem suas falas acolhidas, testemunhadas e legitimadas, provocou transformações subjetivas relevantes para o processo de autonomia de cada um, para a ressignificação das experiências vivenciadas e para a construção de novas modalidades de relações sociais e afetivas, com o Outro e consigo mesmo. Com isso, pode-se concluir que o trabalho da Psicologia no PAEFI, desde que embasado em uma atuação ética-clínica-política, possui efeitos subjetivos importantes para a constituição psíquica e social dos sujeitos, instrumentalizando-os na elaboração das violências vivenciadas e possibilitando a descoberta de novas formas, singulares e comunitárias, de lidar com as dificuldades e segregações impostas e inerentes ao sistema capitalista.

Abstract: This research aimed, through the epistemology of psychoanalysis, to study the work of psychology in the PAEFI service, with the general objective of analyzing how the subjects served perceive the work of psychology professionals in this service, and the specific objectives: 1) characterize who are the subjects served by PAEFI, 2) identify the subjective effects of psychologists' listening on the subjects served in PAEFI, and 3) investigate the relationship between psychology's actions and the subject's involvement in the psychosocial monitoring process of PAEFI. This qualitative, descriptive, and exploratory research used semi-structured interviews with users of two PAEFIs in the city of Florianópolis. Based on the psychoanalytic method and Discourse Analysis, the aim was to analyze the meanings and unique senses that each subject attributed to their experiences, in order to encompass the said and unsaid produced by them through their trajectories in PAEFI. In total, four former users of PAEFI were interviewed, and through the analysis of the interviews, the following categories were constructed: 1) Violence in the trajectories of the subjects served in PAEFI: the systemic and repetitive nature of violations, 2) Institutional labyrinths: intersectoriality and ethical-political action in PAEFI, and 3) Investment in PAEFI as a clinical-political device. In terms of results, it can be stated that the interviewed subjects considered PAEFI, on the one hand, as a place of support, welcome, and promoter of new meanings and social ties in their family and community lives; on the other hand, as a place that operates through a policing and judgmental logic. Because it is a service in which its precariousness and fragmentation negatively impact the mental health of both the worker and the users, intersectoral and institutional action is fundamental to offer qualified and consistent work in PAEFI. From this, it was possible to perceive that even in these precarious conditions of public services and even though the subjects served are constituted and immersed in a sociopolitical fabric woven through various forms of violence - mainly that of the State - having a space to be heard and to listen to themselves, to have their speeches welcomed, witnessed, and legitimized, provoked relevant subjective transformations for the autonomy process of each one, for the resignification of the experiences lived and for the construction of new modalities of social and affective relations, with the Other and with oneself. Thus, it can be concluded that the work of Psychology in PAEFI, provided it is based on an ethical-clinical-political action, has important subjective effects on the psychic and social constitution of the subjects, equipping them to elaborate on the experienced violence and enabling the discovery of new, singular, and communal ways to deal with the difficulties and segregations imposed and inherent to the capitalist system.