Esposas do cárcere: um estudo etnográfico sobre as dimensões de saúde nas trajetórias de mulheres de homens privados de liberdade em um presídio no sul do Brasil

Abstract

O encarceramento apresenta-se como um grave problema mundial e as repercussões na sociedade ainda são pouco discutidas, especialmente no que diz respeito aos impactos nas famílias de pessoas em situação de privação de liberdade. Os desafios inerentes ao contexto prisional são vivenciados por mulheres que visitam seus parceiros nos presídios, caracterizando-se como temas cruciais para serem exploradas sob a perspectiva dos estudos de gênero. O objetivo geral deste estudo foi compreender como se constituíram as experiências sociais de mulheres companheiras de presos na busca por direitos sociais e de acesso à saúde em um presídio da região sul do Brasil no ano de 2022. Os objetivos específicos foram: (i) conhecer os efeitos do encarceramento na vida de mulheres companheiras de homens presos; (ii) analisar os papéis de gênero desempenhados pelas mulheres companheiras de homens presos que visitam o sistema prisional; e (iii) identificar as redes de apoio percebidas pelas mulheres companheiras de homens presos na busca por direitos sociais e de acesso à saúde. Foi realizado um estudo de inspiração etnográfica em um presídio na região sul do Brasil entre julho e dezembro de 2022. Durante esse período, realizou-se observação-participante e registro em diários de campo, de três a quatro vezes por semana, por meio da imersão nos locais em que circulavam as visitantes e por meio de interações com agentes penitenciários, homens presos que trabalham no presídio e familiares que frequentam o cárcere. Ainda, foram realizadas seis entrevistas com mulheres que realizavam visitas íntimas e sociais por meio de roteiro com perguntas abertas sobre as experiências no contexto da prisão. A análise das informações provenientes das entrevistas foi realizada por meio da ?Análise Temática?. Verificou-se que as mulheres esposas de homens presos enfrentam violência dentro e fora do sistema prisional, devido às desigualdades sociais e de gênero. Pelo fato do sistema prisional ser um local de exclusão social, ser esposa de preso foi um marcador social de violência estrutural, pois limita os direitos das mulheres e representa um fator de risco para as suas situações de saúde, além de restrições materiais e simbólicas. A violência institucional foi identificada por meio das regras do presídio que perpetuam as estruturas sociais injustas e violam direitos humanos, como a obrigatoriedade de oficializar relacionamentos e procedimentos como a revista vexatória. Embora a incorporação de dispositivos tecnológicos na prisão tenha proporcionado a manutenção do vínculo entre pessoas privadas de liberdade e o mundo exterior e interrompido as revistas vexatórias, sua implementação apresenta fragilidade e desafios. Evidenciou-se que o contexto do cárcere potencializa a violência em corpos femininos e necessita ser encarado como fenômeno coletivo, não restritamente individual e familiar.

Abstract: Imprisonment poses a serious global issue, and its societal implications remain inadequately discussed, particularly regarding the impacts on the families of individuals deprived of liberty. The challenges inherent in the prison context are experienced by women who visit their partners in correctional facilities, constituting critical subjects for exploration from a gender studies perspective. The overarching objective of this study was to comprehend how the social experiences of women who are companions of prisoners unfolded in their pursuit of social rights and access to healthcare in a prison in the southern region of Brazil in the year 2022. The specific objectives were: (i) to understand the effects of incarceration on the lives of women who are partners of incarcerated men; (ii) to analyze the gender roles performed by women who are partners of incarcerated men visiting the prison system; and (iii) to identify the support networks perceived by women who are partners of incarcerated men in their quest for social rights and healthcare access. An ethnographically inspired study was conducted in a prison in the southern region of Brazil between July and December 2022. During this period, participant observation and field diary entries were conducted three to four times a week, involving immersion in the places frequented by visitors and interactions with prison officers, male inmates working in the prison, and family members who frequent the facility. Additionally, six interviews were conducted with women who engaged in intimate and social visits, employing questionnaires with open-ended questions about their experiences in the prison context. The analysis of the information derived from the interviews was conducted through \"Thematic Analysis.\" It was observed that wives of incarcerated men face violence both within and outside the prison system due to social and gender inequalities. As the prison system represents a place of social exclusion, being a prisoner's wife became a marker of structural violence, as it restricts women's rights and represents a risk factor for their health situations, in addition to material and symbolic constraints. Institutional violence was identified through the prison rules that perpetuate unjust social structures and violate human rights, such as the requirement to formalize relationships and procedures like degrading body searches. Although the incorporation of technological devices into the prison environment has facilitated maintaining the connection between incarcerated individuals and the outside world and has discontinued degrading searches, its implementation is fragile and presents challenges. It became evident that the prison context exacerbates violence against female bodies and needs to be addressed as a collective phenomenon, rather than solely an individual or familial one.