Comunidade fúngica associada a Gaylussacia brasiliensis (spreng.) Meissn. (ericaceae) e atributos do solo sob influência de perturbações antrópicas em restinga

Abstract

Gaylussacia brasiliensis é uma espécie amplamente distribuída no Brasil, ocorrendo em diversos habitats e é um recurso genético subutilizado com potencial medicinal, alimentício e paisagístico. Ela se desenvolve em solos sob condições ácidas, com baixa disponibilidade de nutrientes e de matéria orgânica, e em regiões secas, características encontradas em área de restinga no Sul do Brasil. Para sobreviverem em ambientes como esses, as espécies vegetais se associam com fungos do solo. A comunidade microbiana do solo é sensível a alterações que ocorram em seus habitats, como mudança na diversidade de plantas hospedeiras, ação do fogo e variáveis edáficas. O objetivo deste estudo foi de avaliar os efeitos da presença do gênero Pinus spp e de queimada sobre a comunidade fúngica endofítica associada às raízes de Gaylussacia brasiliensis e as propriedades bioquímicas, microbiológicas e químicas do solo em área de restinga no Sul do Brasil ao longo das quatro estações do ano em dois anos consecutivos. O estudo foi realizado no Parque Municipal das Dunas da Lagoa da Conceição, uma unidade de conservação localizada na região Leste da Ilha de Santa Catarina, SC. Os tratamentos avaliados são introdução do gênero Pinus (P), queimada (F), a combinação de queimada e a presença do gênero Pinus (PF) e uma área controle (N). Foi avaliado os atributos químicos do solo pH-H2O, condutividade elétrica, teores de sódio (Na+ ), potássio (K+ ), cálcio (Ca2+), magnésio (Mg2+), alumínio (Al3+), fósforo (PO4), matéria orgânica do solo (MOS), capacidade de troca catiônica (CTC) e saturação por bases (V%), os atributos microbiológicos, respiração basal do solo (RBS), quociente metabólico (qCO2) e quociente microbiano (qMIC), e os atributos bioquímicos do solo, proteínas do solo relacionados com a glomalina (PSRG), arilsulfatase (Aril), fosfatase ácida do solo (Falc) e diacetato de fluoresceína (DAF) ao longo das quatro estações do ano, primavera, verão, outono e inverno, ao longo de dois anos de avaliação, 2021 e 2022. Para caracterizar a comunidade fúngica endofítica associada às raízes de Gaylussacia brasiliensis, foi realizada análise molecular das raízes utilizando os primers ITS1-ITS4. Os solos de restinga apresentaram pH ácido (4.6-5.8), sendo mais ácido em PF, com variações sazonais e anuais em atributos químicos (P, K, Na, Ca, Mg, Al, MOS, CE, CTC, V%). PF teve maior P, MOS, CE e CTC, enquanto F apresentou maior V%. Atributos microbiológicos indicaram menor respiração basal (SBR) no verão, maior biomassa microbiana (BMS-C) em PF no outono/primavera, e menor qMic em PF. Glomalina (FE?PSRG) predominou em PF, com variação sazonal. Atividade bioquímica (Aril, Falc, DAF) foi maior em F/PF, com picos na primavera e quedas no verão. PCA revelou separação sazonal no segundo ano, influenciada por V%, Al e CTC. Em relação à análise molecular, foram identificados 1.394 ASVs fúngicos em raízes de Gaylussacia brasiliensis, distribuídos em seis filos, com predominância de Ascomycota (Penicillium, Hypomyces) e Basidiomycota (Umbelopsis). Hymenochaete foi exclusivo de áreas queimadas, Melanconis mostrou plasticidade, e Glomeromycota indicou simbioses micorrízicas. A diversidade (Shannon, Simpson) variou sazonalmente, com maior riqueza em áreas perturbadas (F, PF) no verão/primavera. A dbRDA revelou que pH, Ca e Mg explicam 59,5% da variação fúngica, com Penicillium ligado a maior pH/Ca e Toxicocladosporium a solos ricos em P. A PCoA mostrou separação temporal entre anos, sugerindo influência climática ou sucessional. Em suma, a interação entre fatores sazonais, temporais e químicos do solo molda a biodiversidade fúngica e a funcionalidade de Gaylussacia brasiliensis em restingas perturbadas, refletindo sua resiliência a estresses antrópicos, destacando a plasticidade ecológica e a importância da microbiota para a conservação de restingas, com necessidade de estudos funcionais para manejo sustentável.

Abstract: Gaylussacia brasiliensis is a widely distributed plant species in Brazil, occurring in various habitats, and is an underutilized genetic resource with medicinal, food, and landscaping potential. It thrives in acidic soils, with low availability of nutrients and organic matter, and in dry regions, which are characteristics found in restinga areas in southern Brazil. In order to survive in such environments, plant species associate with soil fungi. The soil microbial community is sensitive to changes in its habitats, such as changes in the diversity of host plants and the action of fire and edaphic variables. This study aimed to evaluate the effects of the presence of Pinus spp and wildfire on the endophytic fungal community associated with the roots of Gaylussacia brasiliensis and the biochemical, microbiological, and chemical attributes of the soil in a restinga (coastal dunes) area in southern Brazil over the seasons in two consecutive years. The study was carried out in the Lagoa da Conceição Dunes Municipal Park, a conservation unit located in the eastern region of Santa Catarina Island, SC. The treatments evaluated were the introduction of the Pinus genus (P), wildfire (F), the combination of wildfire and the presence of the Pinus genus (PF), and a control area (N). The chemical attributes of the soil were evaluated: pH-H2O, electrical conductivity, sodium (Na+ ), potassium (K+ ), calcium (Ca2+), magnesium (Mg2+), aluminum (Al3+), phosphorus (PO4), soil organic matter (MOS), cation exchange capacity (CEC) and base saturation (V%), and the microbiological attributes, soil basal respiration (BSR), metabolic quotient (qCO2) and microbial quotient (qMIC), and the biochemical attributes of the soil, soil proteins related to glomalin (PSRG), arylsulfatase (Aril), soil acid phosphatase (Falc) and fluorescein diacetate (DAF) throughout the four seasons, spring, summer, fall and winter, over two years of evaluation, 2021 and 2022. To characterize the endophytic fungal community associated with Gaylussacia brasiliensis's roots, molecular analysis was carried out using the ITS1-ITS4 primers. The results showed that the restinga soils had an acidic pH (4.6- 5.8), which was more acidic in PF, and showed seasonal and annual variations in chemical attributes (P, K, Na, Ca, Mg, Al, MOS, CE, CTC, V%). PF had higher P, MOS, EC, and CTC, while F had higher V%. Microbiological attributes indicated lower basal respiration (SBR) in summer, higher microbial biomass (BMS-C) in PF in fall/spring, and lower qMic in PF. Glomalin (FE-PSRG) predominated in PF, with seasonal variation. Biochemical activity (Aril, Falc, DAF) was higher in F/PF, with spring peaks and summer declines. PCA revealed seasonal separation in the second year, influenced by V%, Al, and CTC. As for the molecular analysis, 1,394 fungal ASVs were identified in Gaylussacia brasiliensis roots, distributed in six phyla, with a predominance of Ascomycota (Penicillium, Hypomyces) and Basidiomycota (Umbelopsis). Hymenochaete was exclusive to burned areas, Melanconis showed plasticity, and Glomeromycota indicated mycorrhizal symbioses. Diversity (Shannon, Simpson) varied seasonally, with greater richness in disturbed areas (F, PF) in summer/spring. dbRDA revealed that pH, Ca, and Mg explained 59.5% of the fungal variation, with Penicillium linked to higher pH/Ca and Toxicocladosporium to P-rich soils. PCoA showed temporal separation between years, suggesting climatic or successional influence. In sum, the interaction between seasonal, temporal, and chemical soil factors shapes the fungal biodiversity and functionality of Gaylussacia brasiliensis in disturbed dunes, reflecting its resilience to anthropogenic stresses, highlighting the ecological plasticity and importance of microbiota for the conservation of dunes, with the need for functional studies for sustainable management.