Title: | A construção judiciária dos intoleráveis sociais: analisando regimes de verdade em crimes de estupro de vulnerável julgados na Grande Florianópolis |
Author: | Cunha, Patrícia Marcondes Amaral da |
Abstract: |
A tese tem como objetivo analisar a construção judiciária dos intoleráveis sociais a partir dos regimes de verdade presentes em crimes de estupro de vulnerável julgados por um Juizado Especial Criminal e de Violência Doméstica da Grande Florianópolis entre 2011 e 2017. A partir da etnografia de documentos judiciais, apresento um panorama geral dos diferentes desfechos que os catorze processos pesquisados alcançaram em termos de condenação, absolvição, arquivamento e suspensão processual, escolhendo três deles para uma análise mais detalhada. Considerando a ausência de vestígios físicos de violência sexual nos laudos periciais que integram os autos, os processos apontam em duas direções: primeiramente, nos mostram que a palavra de crianças e adolescentes vítimas ganha centralidade para a construção da materialidade, da tipificação penal e da dosimetria da pena, demandando delas uma forma específica de narrar sua experiência a partir da inteligibilidade e da temporalidade do Direito; em segundo lugar, os processos promovem, perante os operadores do Direito, uma disputa de sentidos acerca do que são, afinal, os atos libidinosos tipificados no texto legal, classificando-os em distintos níveis de gravidade, ou seja, ora como uma crime (estupro de vulnerável), ora como contravenção penal (importunação ofensiva ao pudor). Observado ainda o princípio constitucional do contraditório, a produção da verdade nestes processos se pauta no cotejamento das narrativas produzidas na fase policial e judicial em busca de sua ?repetibilidade?, demonstrando que os critérios do que é ou não aceitável em termos de coerência variam caso a caso. Temos, de um lado, a acusação buscando consistências na fala da vítima (e das testemunhas) e, de outro, a defesa ressaltando divergências e contradições que coloquem em dúvida a ocorrência do crime ou da contravenção penal como forma de garantir a absolvição. Conclui-se que está em formação uma sensibilidade jurídica em relação aos crimes sexuais contra crianças e adolescentes, que tem contribuído para condenações com penas altas, mesmo sem vestígios materiais do estupro, em consonância com as mudanças na legislação penal ocorrida em 2009. Todavia, essa pesquisa aponta também que julgar atos sexuais contra vulneráveis sem materialidade resulta num duplo desafio: para os operadores do Direito, diante da proliferação de sentidos que os atos libidinosos ganham, especialmente na jurisprudência, e das penas que estão em jogo; e para as vítimas, que ainda se configuram com principal meio de prova nesses processos e de quem se demanda uma adequação da experiência subjetiva da violência às lógicas do contraditório e, portanto, da "repetibilidade". Abstract: The aim of this thesis is to analyse the judicial construction of social intolerability based on the regimes of truth present in cases of statutory rape judged by a Special Criminal and Domestic Violence Court in Greater Florianópolis between 2011 and 2017. Drawing on ethnographic analysis of judicial documents, the study offers a general overview of the different outcomes in the fourteen cases examined?namely convictions, acquittals, dismissals, and suspended proceedings?while selecting three of them for more detailed analysis. Given the absence of physical evidence of sexual violence in the forensic reports included in the case files, the processes unfold in two key directions. First, they demonstrate that the testimony of child and adolescent victims becomes central to establishing materiality, legal classification, and sentencing, requiring victims to narrate their experiences in a way that aligns with the legal system?s intelligibility and temporality. Second, these cases reveal a contest among legal professionals over the interpretation of libidinous acts as defined in law, leading to their classification along a spectrum of severity?either as a crime (statutory rape) or as a misdemeanour (indecent assault). Respecting the constitutional principle of adversarial proceedings, the production of truth in these cases relies on comparing narratives from the police and judicial phases to assess their ?repeatability?. This reveals that the criteria for acceptable narrative consistency vary from case to case. On one side is the prosecution, seeking coherence in the accounts of victims and witnesses; on the other, the defence highlights inconsistencies and contradictions in order to cast doubt on the occurrence of the crime or offence, thereby aiming to secure acquittal. The thesis concludes that a specific legal sensitivity is emerging in relation to sexual crimes against children and adolescents, which has contributed to convictions with severe sentences, even in the absence of material evidence?an evolution aligned with changes to criminal legislation introduced in 2009. However, the research also points to a dual challenge in adjudicating sexual acts against vulnerable persons without physical evidence: for legal professionals, due to the multiplicity of meanings that libidinous acts assume in jurisprudence and the severity of potential penalties; and for victims, who remain the primary source of evidence and are expected to adapt their subjective experience of violence to the legal logic of adversarial proceedings and narrative "repeatability". |
Description: | Tese (doutorado) - Universidade Federal de Santa Catarina, Centro de Filosofia e Ciências Humanas, Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social, Florianópolis, 2025. |
URI: | https://repositorio.ufsc.br/handle/123456789/267045 |
Date: | 2025 |
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PASO0630-T.pdf | 3.404Mb |
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