Pecuária leiteira familiar catarinense: intersecções entre gênero e bem-estar animal

Abstract

As discussões sobre ética no uso de animais vêm se popularizando ano após ano. A indústria animal vem sendo pressionada a abolir práticas consideradas cruéis e a promover o bem-estar animal. A pecuária leiteira é um dos setores desta indústria em que diversas práticas controversas são empregadas. Em meio a estes debates, o gênero tem emergido como um fator significativo que molda as visões sobre este tema, inclusive entre profissionais ligados à produção animal e produtores de animais, com mulheres expressando atitudes mais positivas em relação ao bem-estar animal. Apesar disso, sob uma estrutura de dominação patriarcal, as mulheres são historicamente marginalizadas e têm suas contribuições subvalorizadas. Neste estudo, exploramos as diferenças de gênero a partir das vivências de produtores familiares de leite e extensionistas rurais que atuam no setor leiteiro em Santa Catarina, focando em questões que podem influenciar o bem-estar animal. Para isso, realizamos entrevistas semiestruturadas com 41 produtores de leite e 7 extensionistas, localizados em duas bacias leiteiras do estado. As entrevistas foram transcritas e submetidas a análise temática. Nossos resultados destacam diferenças de gênero relevantes sobre diferentes tópicos relacionados aos animais e à produção leiteira familiar, como as percepções sobre bem-estar animal, a relação humano-animal, a divisão sexual do trabalho, o gerenciamento da produção leiteira e a assistência técnica. As mulheres produtoras expressaram atitudes mais positivas em relação ao bem-estar animal e percepções mais empáticas e afetuosas sobre os animais usados na produção de leite que produtores homens. Contudo, estas mulheres tenderam a ter menor poder de decisão sobre as questões que envolvem seus animais e a serem marginalizadas no acesso à assistência técnica e a capacitação. O trabalho de produtoras mulheres foi frequentemente subvalorizado no discurso dos entrevistados, sendo enquadrado como \"ajuda\" e como um trabalho \"leve\". Concluímos que promover a igualdade de gênero e valorizar o papel fundamental das mulheres na construção de relações mais éticas e sustentáveis entre animais humanos e não humanos são medidas fundamentais para avançar na discussão sobre o bem-estar dos animais utilizados na produção animal.

Abstract: Debates about animal ethics have become more popular year after year. The animal industry has been under pressure to abolish practices considered cruel and to promote animal welfare. Dairy farming is one of the sectors of this industry in which several controversial practices are employed. Amid these debates, gender has emerged as a significant factor shaping views on this topic, including among extensionists and animal producers, with women expressing more positive attitudes towards animal welfare. Despite this, under a structure of patriarchal domination, women have historically been marginalized and their contributions undervalued. In this study, we explore gender differences based on the experiences of family dairy farmers and extensionists working in the dairy sector in Santa Catarina, focusing on factors that can influence animal welfare. We conducted semi-structured interviews with 41 dairy farmers and 7 extension workers, located in two dairy regions in the state. The interviews were transcribed and analyzed using thematic analysis. Our results highlight relevant gender differences on different topics related to animals and family dairy farming, such as perceptions of animal welfare, human-animal relationships, sexual division of labor, dairy production management, and technical assistance. Female farmers expressed more positive attitudes toward animal welfare and more empathetic and affectionate perceptions about farmed animals than male farmers. However, these women tended to have less decision-making power over issues involving their animals and to be marginalized in accessing technical assistance and training. The work of female farmers was often undervalued in the discourse of interviewees, being framed as \"help\" and as \"light\" work. We conclude that promoting gender equality and valuing the fundamental role of women in building more ethical and sustainable relationships between human and non-human animals are fundamental measures to advance the discussion on farmed animal welfare.