A batida Kósmica
Nome consolidado na música eletrônica de Florianópolis, o DJ Kosmo inova com a primeira festa de house e techno com temática queer da ilha
O sistema de som e o jogo de luzes montados no terraço do Museu de Arqueologia e Etnologia (Marque) da UFSC liberam uma descontração inusitada no ambiente. Grupos de jovens espalhados conversam e dançam discretamente, ritmados pelas batidas do grave e das experimentações que saem da caixa de som. O DJ Kosmo está relaxado: é uma festa em que nada pode dar errado. Deitado em um pufe, conversa com seus amigos, vários que ajudam a construir a festa Bateu.
Kosmo não sente tanta tranquilidade durante as edições noturnas da festa criada há dois anos. A Bateu atravessou obstáculos, prejuízos, trocas de espaço. Várias e longas as discussões travadas com a polícia, com donos de espaços e algumas pessoas non gratae nos eventos. Tudo para garantir a existência da única festa assumidamente queer de música House e Techno em Florianópolis.
Apesar dos problemas, Kosmo nunca pensou em desistir pois tem consciência do que criou: um espaço audacioso o suficiente para se assumir como voltado inteiramente para minorias. Há mais de um ano, os eventos da festa no Facebook sempre carregam o mesmo aviso:
A Bateu é uma festa de música eletrônica construída para minorias políticas, como LGBTs, negres e mulheres. Se você “respeita, mas...” qualquer um desses grupos, saiba que não será bem vindo. Cultuamos a liberdade individual e não toleramos qualquer forma de assédio ou discriminação. Não é permitido filmar ou fotografar qualquer ambiente da Bateu.
Criada em parceria com Alessandro Calve, o DJ paulista Le Calve, a Bateu é o maior orgulho de uma trajetória cheia de vitórias para Kosmo. Aos 23 anos, ele é há dois anos o DJ mais jovem residente da casa noturna Terraza, referência em música eletrônica no estado e no mundo. Já dividiu palcos com grandes nomes famosos internacionalmente, como a ucraniana Nastia e a catarinense Blancah. Tocou em festas autodefinidas como alternativas em Paraná, São Paulo e Minas Gerais.
O encontro entre a Bateu e a UFSC aconteceu através de um aluno de museologia que convidou Kosmo para tocar na vernissage de abertura da exposição Mamilo Manifesto. Focada nos mamilos femininos e nas polêmicas ao redor deles, a mostra provocativa e quebradora de tabus combinou perfeitamente com o selo Bateu. O evento de música eletrônica tornou-se semanal até o encerramento da exposição.
Com uma calça e camiseta pretas, quieto entre seus amigos, Kosmo não é apegado ao glamour. Ao longo de nossa conversa, prefere ser tratado por seus conhecidos por seu nome de batismo: Arthur. “Até parece que quero ser chamado pelo meu nome artístico, não sou a Kelly Key”, brinca. Sua aversão ao mundo das poses, da ostentação e dos camarotes foi justamente uma das responsáveis por iniciar a concepção da marca que é hoje seu projeto mais desafiador e livre.
Ocupando a ilha
A mudança de Itajaí - SC para Florianópolis aconteceu quando Arthur Erpen tinha seis anos de idade. “Praticamente Manezinho, né?”, ele diz com um acidental sotaque ilhéu pouco acentuado. Acompanhado pela irmã e pela mãe, viveu sua infância e adolescência entre várias mudanças de um bairro da ilha para o outro. Descobriu que queria ser músico ainda no Ensino Médio. Era fã de música eletrônica, e tocava violino na Orquestra Experimental do Instituto Federal de Santa Catarina (IFSC).
Queria fazer faculdade de música, mas não teve o aval da mãe. “Ela tem muito medo de eu passar fome.” Para sanar o receio materno e garantir um plano seguro para si, Arthur matriculou-se no curso de Ciências da Computação da UFSC. Era um modo de aproveitar sua destreza com as máquinas digitais. A mesma facilidade ajudou quando começou a explorar a música eletrônica ao lado do amigo de infância Thomas Theodorellos.
Foi Thomas quem levou Arthur às primeiras festas e raves. Escutavam Psy Trance, ritmo que nunca pensaram em tocar. Thomas aprendeu com um amigo DJ os primeiros macetes do ofício. Tocaram juntos pela primeira vez em setembro de 2012, durante seu último semestre na escola. Batizaram o duo de Lowception.
Desde o começo da faculdade, Arthur levou a sério a música como um aprendizado paralelo. Tocava nas festas que conseguia por cachês baixíssimos, típicos de uma carreira iniciante. Após cerca de um ano, Thomas decidiu tomar outro rumo e Arthur assumiu a alcunha de Lowception como seu próprio nome artístico.
No começo de 2014, o então Lowception teve a primeira grande oportunidade de sua carreira ao vencer a Batalha de DJs que buscava revelar um novo talento para tocar na primeira edição da festa semestral Injeção Eletrônica. Organizada por estudantes de Engenharia Elétrica e Odontologia da UFSC, foi a primeira festa na universidade a dedicar-se exclusivamente à sonoridade eletrônica.
Os organizadores da festa planejavam montar dois palcos. O palco principal tocaria a EDM mais conhecida pela grande público. O segundo palco contaria com sonoridades consideradas mais alternativas, como o House e o Techno. Após conhecer os organizadores, Arthur percebeu como eles não sabiam quais DJs chamar para o palco menor. Pediu para fazer a curadoria, e eles toparam.
O sucesso da primeira edição fez com que Arthur ganhasse o posto de DJ residente e curador do palco. A festa cresceu rapidamente. A edição do semestre seguinte esgotou os ingressos em pouquíssimo tempo. Após a terceira, foi preciso migrar para um espaço maior. Hoje, a Injeção Eletrônica é o maior festival open bar de música eletrônica no sul do país.
As felicidades na vida profissional faziam Arthur perceber cada vez mais nitidamente seu desconforto na vida pessoal. É homossexual, e não falava de sua sexualidade nem entre os amigos. Sua cabeça era assombrada por um medo disfarçado de precaução. Ele notava como os clubes em que tocava eram quase sempre de homens héteros, conservadores, cheios de comportamentos machistas e homofóbicos.
“Eu acreditava que se eu me assumisse ia impactar diretamente na minha carreira.”
Outro cenário possível revelou-se para ele após conhecer outro tipo de vida noturna em Curitiba e São Paulo. Convidado por DJs que conheceu com seu trabalho, realizou apresentações em festas alternativas como a Festa Festa, do futuro parceiro Le Calve, e viu “uma cena mais alternativa que não existia em Florianópolis”.
O retorno à ilha deixou seu olhar e seus ouvidos mais crítico. Incomodava a postura das pessoas nas festas. “Sempre ligadas aos clubes, ao dinheiro, ao glamour. Não tinham coragem de dançar se a pista não estivesse cheia.” Sentia limitações artísticas ao seu próprio trabalho por não poder tocar com o nível de experimentação que fez nas outras cidades. “O público mais coxinha quer ouvir o som coxinha”, explica.
Pensava também em sua própria situação Se ele, DJ, não se sentia aceito nos espaços de música eletrônica, como LGBTs estariam confortáveis no público? “Não tinha nenhum lugar pros gays ouvirem música House e Techno a noite em um espaço acolhedor.”
Faltava alguma coisa. Quando o amigo e DJ Le Calve mudou-se para Florianópolis no final de 2015, ele e Kosmo decidiram fazer algo a respeito. Calve, com 15 anos de experiência como DJ, havia criado e produzido festas antes. Juntos, criaram uma nova festa em Floripa.
Será que já BATEU?
“A Bateu surgiu de uma necessidade pessoal minha”, resume Arthur. A primeira edição foi realizada em janeiro de 2016, no Jonas 570. Conhecido como Bar do Jonas ou simplesmente Jonas, é um antigo e famoso estabelecimento voltado para gays “maduros” e da comunidade “urso” (gays com tipo físico grande e peludo). Para acentuar o ambiente de liberdade da festa, as primeiras edições contavam com um Dark Room e telões exibindo filmes pornôs.
Desde o começo foram definidos ideais políticos que formaram a identidade da Bateu. A festa é acessível - o preço de 25 reais nunca teve reajuste. Os ingressos são unissex. Não há VIPs e camarotes, para evitar qualquer tipo de segregação dentro do ambiente. Por fim, estão proibidas as fotos e vídeos dentro do espaço, garantindo que que “o que acontece na Bateu, fica na Bateu”.
Além de Arthur e Calve, a produção da festa teve Aline Balancelli desde a primeira edição, estudante de história que escreve poemas a partir do tema de cada festa para a descrição dos eventos. Laró Prazeres, outra amiga do grupo, é a anfitriã. Fabio Yokomizu é o performer residente.
A festa difundiu-se rapidamente. Cresceu a cada edição. A energia libertária motivou o público a inserir a cultura da “montação” dentro da Bateu. Inspirados em drag queens, vestem roupas extravagantes como nenhum outro espaço permite. Cadeados, fita adesiva, papel alumínio: qualquer material é válido para criar os looks perfeitos. Saltos feitos em casa com mais de quinze centímetros são válidos. Seios femininos despidos, também.
No Bar do Jonas, os participantes podiam sair e entrar na festa. As calçadas ficavam cheias. Dentro do bar, as batidas fortes de House e Techno eram coordenadas pelos dois criadores e outros DJs convidados. A cada dois meses, uma nova festa acontecia e o espaço parecia menor. Adequado para 80 pessoas, o Bar do Jonas tentava comportar mais de uma centena.
A rede de contatos criada por Kosmo e Calve sempre garantiu nos músicos. Na quinta edição, houve a presença ilustre da DJ Cashu, uma das duas idealizadoras da paulistana Mamba Negra. Eleita pela Folha de S. Paulo como a melhor festa de 2017, a Mamba Negra busca desde 2013 ocupar espaço público com música eletrônica em São Paulo.
A presença de Cashu na edição batizada “Bateu o veneno da serpente” chamou atenção como não havia acontecido. Mais de duzentas pessoas lotaram o Jonas e a calçada em frente. Os vizinhos reclamaram. O bar não possuía isolamento acústico, nem alvará de funcionamento como casa noturna. Na edição seguinte, o mesmo problema. Na terceira vez, a polícia encerrou a festa na metade, às três da manhã. Assim, a noite foi declarada como despedida da Bateu de sua primeira casa.
Na sua residência
O nascimento e consolidação da Bateu no Bar do Jonas não foram os únicos pontos altos do ano de Arthur. Ele foi convidado a tocar no Terraza Music Club. “Naquela época eles tinham uma curadoria bem mais fechada. Só tocavam residentes e gringos”, ele recorda. Embora tivesse tocado no mesmo palco ao longo das edições da Injeção Eletrônica, foi uma honra maior estar numa festa com o selo de uma festa que ele admirava.
O sucesso da noite foi nítido, e valorizado pelo proprietário da festa, Tony Tomaino. Arthur demonstrou capacidade de atrair um público fiel, que encheu a casa. Esperto, pediu a Tony para estar mais presente no clube. O convite para a residência veio pouco depois. “É o principal clube, todo DJ daqui almeja ser residente lá”, ele se orgulha. Aproveitando a visibilidade, o anúncio da residência foi também quando mudou o nome artístico de Lowception para Kosmo.
Um novo plano para o seu futuro após concluir a faculdade de computação virou possível. Seguiu o curso e conquistou o diploma no final de 2017, apenas como uma segunda opção caso a carreira artística de repente pare de dar certo. A falta de esperança da mãe não passou. “Não acho que seja por um preconceito com minha profissão, é uma questão de insegurança mesmo”, ele justifica. O fracasso parece cada vez mais improvável.
A musicalidade de Kosmo amadureceu e transformou-se, sobretudo depois de firmar uma amizade com o DJ Rafa Moura. As conversas entre os dois levaram sua criação por um caminho cada vez mais conceitual. Ele tenta explorar caminhos novos em toda festa. Gosta de surpreender com uma faixas de House no meio de uma sequência Techno, e vice-versa.
“Eu sempre acreditei em não me prender a estilos ou estéticas, em buscar o alternativo no sair da mesmice.”
Kosmo foi durante o ano de 2017 residente de outra festa: a dominical Deck, no clube 1007. Em um domingo de apresentações, outro problema de sua vida veio cobrar solução. Desde a adolescência, Kosmo sofre com dores crônicas nas costas e na região do nervo ciático, com crises capazes de paralisar todo seu corpo. Uma delas apareceu no dia da Deck, e ele precisou mandar outro DJ em seu lugar.
Apesar do episódio desastroso, ele agradece a ocasião. “Poderia ter acontecido numa festa maior e importante e ter sido bem chato. Aí decidi me tratar mesmo.” Testou pilates solo e pilates de equipamentos até encontrar o pilates clínico, solução capaz de reunir drasticamente suas dores. De mediações fortes tomadas várias vezes ao dia, ele passou a tratar-se com dipirona ocasionalmente.
Outra vitória foi finalmente falar com a mãe sobre sua sexualidade, e poder apresentá-la seu namorado, estudante de medicina. A vida estava boa, ideal para focar em seu projeto mais querido: a Bateu.
Na fuga/no rolê
O primeiro aniversário da Bateu foi comemorado no Rancho do Pescador, sua nova casa. O espaço é literalmente um rancho, localizado na Ponta do Coral, um terreno de frente para o mar cercado de polêmicas a respeito de sua posse devido a uma venda realizada pelo governador Jorge Bornhausen durante a ditadura militar. Uma comunidade de pescadores alocou-se na área durante a década de 1980 e vive ali até hoje. Como uma cooperativa, decoraram um de seus ranchos, montaram um bar e passaram a alugá-lo para festas noturnas.
As primeiras baladas realizadas no local foram organizadas pela produtora Caos. O dono da marca soube que a Bateu buscava um novo lar, e propôs uma parceria com Kosmo: a Caos coordenaria e ficaria com os lucros do bar, e a festa receberia o dinheiro das entradas. Era o lugar perfeito.
O rancho fica à beira do mar. Durante as festas, não era raro ver alguém tirar os saltos para colocar o pé na água. Em qualquer lugar alguém podia aproveitar o espaço aberto e acender um cigarro. As famílias dos pescadores em volta não se importavam com a música alta, e às vezes até observavam sorridentes a festa pela janela de suas casas. Durante o verão, o dia amanhecia e a festa ficava decorada pelo céu colorido no horizonte.
Através de pesquisas de público feitas recentemente, a organização da festa percebeu que o Rancho foi o local preferido entre a maior parte das pessoas que acompanham a festa desde seu início. Kosmo também gostava. “Até hoje acho aquele lugar incrível, o mais autêntico lugar de festas que rolou em Floripa nos últimos anos.” Ali, a nova iorquina Volvox virou a primeira atração internacional a tocar na Bateu durante a festa com tema Bateu o calor libidinoso.
O único problema eram as contas. O aluguel do rancho era mais caro do que pagavam no Jonas. A solução encontrada foi expandir a divulgação. A edição mais lotada reuniu mais de trezentas pessoas. Ainda assim, Calve e Kosmo viviam com o medo de levar um prejuízo. O lucro, quando havia, era pouco e convertia-se em equipamentos de som para a festa.
A dúvida sobre buscar ou não outro espaço foi solucionada do mesmo modo como o fim das edições no Jonas. Durante um dia útil, policiais civis apareceram e chantagearam os pescadores: ou as festas paravam, ou teriam de abrir uma denúncia relativa à falta do alvará de funcionamento. A comunidade assustou-se. O lugar é seu trabalho e sua casa. O aluguel para festas foi encerrado.
A Bateu voltou repentinamente para o centro. A edição de setembro de 2017 foi a estreia no Cabaret Club. Pareceu uma boa ideia estar um espaço que, quando era chamado Mix Café, foi por anos um reduto LGBT. O problema foi reacostumar o público a uma casa noturna mais tradicional. “Foi um salto de um espaço muito alternativo para um clube”, diz Kosmo. Para piorar, os seguranças não sabiam como lidar com o público da festa. “A gente teve desde o começo a bandeira da liberdade e a equipe de seguranças tava ameaçando isso”, conta Kosmo.
Depois que um segurança espiou por cima da porta enquanto uma garota usava o banheiro, decidiram mudar novamente de lugar. Em fevereiro de 2018, o segunda aniversário da Bateu foi na Gruta Dourada, uma antiga casa de prostituição transformada em danceteria. Kosmo relata que houve questionamentos sobre fazer a festa num ambiente de exploração da mulher. “Mas se ele tá num processo de transformação em outro tipo de espaço, a gente tem mais que participar.”
As paredes escuras e a pouca iluminação da Gruta Dourada devolveram uma atmosfera trash e subversiva à festa. A estreia ocorreu na sexta-feira véspera de carnaval. Contou com performance de Dan Rodrigues, o Lua Negra, com o coberto apenas por uma pintura branca. O ar condicionado quebrado forçou muitas pessoas a saírem a pista para ficar na rua. A música atravessava as paredes sem isolamento acústico. Vizinhos dos prédios ao redor tacaram pedras. Policiais civis foram chamados. As pessoas tiveram de entrar ou esvaziar a ria.
Ventiladores foram instalados, porém Luiza, proprietária do espaço, não tem condições de investir no isolamento sonoro. O prédio antigo precisa de outras reformas. Pó de madeira despenca do teto infestado por cupins. Na segunda edição da festa no local, o pó caiu dentro de uma CDJ e a música travou. Lençóis foram pendurados sobre o equipamento para evitar outro acidente. Pouco depois, policiais chegaram. Solicitaram que abaixassem o volume da música. Novamente, surgiu a necessidade de mudar a festa de lugar.
A última Bateu foi a primeira a se afastar do centro da ilha de Florianópolis.
“A gente percebeu que o público não quer mais clube. Ele tá mais interessado numa proposta aberta, na natureza, no sentido do que foi o Rancho”, justifica Kosmo.
Realizada em nove de junho no Bar do Deca, ponto de encontro gay com capacidade para 400 pessoas, localizado na Praia Mole, leste da ilha de Florianópolis. O tema escolhido foi Bateu a fuga distópyka.
Bate mais
Em seu novo espaço, a Bateu ainda exige a compra antecipada dos ingressos ou a inclusão do nome na lista, através de um formulário no site. A medida serve para garantir que as pessoas presentes saibam a proposta da festa e não incomodem com comportamentos opressores. Dentro do Bar do Deca, tudo correu bem.
“A gente conseguiu tirar pessoas que caem de paraquedas e não tem nada a ver com o rolê”, orgulha-se Kosmo. Além disso, existe uma lista de pessoas proibidas de entrar devido a acusações de assédio ou violência, dentro ou fora da festa. Tudo para garantir a execução da proposta “de resgate da essência clubber, da galera se jogar mesmo.”
Kosmo observa uma transformação em toda a noite de Florianópolis. Mesmo nos espaços de música eletrônica tradicionalmente frequentados por heterossexuais, notou um aumento na quantidade de LGBTs. Não acha que a festa foi a única responsável pela mudança, mas reconhece sua contribuição.
Em todas as noites, Kosmo e Le Calve são acompanhados por ao menos uma DJ mulher. “Quando uma festa levanta uma bandeira mas você vê que não tem representatividade nenhuma, então qual o sentido real?”, questiona. “Se tornou cool levantar certas bandeiras, falar das minorias e do espaço delas, só que como ação real ainda estamos distantes.”
O planejamento do futuro envolve uma expansão das formas de criação assinadas com a marca Bateu. O site da festa será tornado em um portal de conteúdos próprios ou replicados, relacionados ao universo da festa. Política, comportamento, moda, música, design, dança, artes cênicas e artes visuais são os assuntos escolhidos.
Sessões de fotos e fashion vídeos foram o primeiro passo. Em lugar de modelos profissionais, foram chamados quatro frequentadores da festa adeptos da “montação”: Lucas Selau, Morgana Zirbel Hubner, Thayná Miguel e Thiago Alvino. As responsáveis por fotografia e vídeo foram Bárbara Baron e Lara Albrecht, respectivamente. A maquiagem é de Laró Prazeres, e o estilo de Bernardo Botelho.
As novas produções resolveram também uma dificuldade da divulgação. Como é proibido fotografar no interior da festa, nunca houve antes imagens associadas à Bateu.
A última edição da festa teve duração mais longa. Até por volta das 8h, a pista continuava cheia por quem queria aproveitar a ausência de vizinhos para reclamar do som alto. Houve performances do Lua Negra e do residente Yokomizo. Ao amanhecer, o céu parcialmente nublado fez surgir um arco-íris rosado.
Com seu diploma universitário conquistado em março de 2018, Kosmo está agora integralmente focado em sua carreira. Quer sua música difundida, sobretudo entre as minorias sociais.
“Eu acho que a música eletrônica é arte das minorias. É a música dos gays, dos negros, de poder dançar, ser livre sem medo de violência.”
Na Bateu, seu espaço de maior liberdade artística, sua forma de resistência continua.