Abstract:
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Entre os efeitos da pandemia de Covid-19, além dos coros infernais de vozes disfóricas e de coros angelicais de quem destrói o medo com solvente de fáceis pensamentos reconfortantes, houve uma nova onda de vitrinização do mundo. Explico melhor. Nos últimos duzentos anos se assistiu à realização – ou somente à concepção, à criação fantástica – de miríades de superfícies, esquemas, paredes, estruturas e divisórias translúcidas. Das vitrines comerciais às casas de vidro, dos shoppings centers aos biodômes e às biosferas, a transparência foi um elemento chave do modelo de desenvolvimento do mundo contemporâneo; e o foi tanto no plano da prática concreta de instalação de espaços e criação de objetos (o que chamaremos função) quanto no plano imaginário compartilhado, subjacente àquelas formas concretas e por aquelas formas alimentado (aqui nomeado ficção). Tudo o que é sólido desmancha no ar, escreveu Marshall Berman em seu ensaio capital sobre a modernidade: entre outras coisas, a primeira onda de vitrinização do mundo significou uma progressiva decomposição das paredes como barreiras visuais, ainda que elas tenham mantido inalterado o seu papel de distanciar, silenciar, isolar os outros sentidos (para quem quiser se aprofundar, indico o meu ensaio Critica della trasparenza. Letteratura e mito architettonico). |