A problemática do noûs no De Anima de Aristóteles: um estudo sobre a teoria do intelecto

Abstract

Este estudo pretende oferecer uma interpretação dos problemas concernentes ao intelecto (noûs) que emergem no De Anima de Aristóteles. Seguindo um percurso analítico pelos capítulos do De Anima consagrados à capacidade intelectual, busca-se construir uma leitura que assume a unidade temática e filosófica da teoria do intelecto humano. O projeto de Aristóteles para psicologia consiste basicamente numa análise hilemórfica da alma e suas capacidades, entendendo-se por isso uma abordagem que intenciona apresentar a boa saída às aporias engendradas pelo puro materialismo pré-socrático e, ao mesmo tempo, pela concepção dualista sobre os fenômenos anímicos mediante o emprego do arcabouço teórico aristotélico. Deste arcabouço, têm especial relevância os conceitos de ato e potência, bem como a teoria das causas e do movimento. Este propósito geral efetiva-se com razoável coerência nas análises sobre a relação ampla entre alma e corpo e sobre a percepção sensível, não obstante disputas interpretativas acerca do alcance e significado do hilemorfismo nestes casos. Contrastivamente, a teoria do intelecto é erigida segundo uma abordagem que destoa dos pressupostos rigorosos do hilemorfismo à medida que esta capacidade não é entendida como a atualização de alguma estrutura corpórea. Para alguns estudiosos, esta diferença representou uma falha teórica que, no limite, faria da teoria noética um anômalo completamente inconciliável com o restante da filosofia aristotélica. Propõe-se aqui que esta excepcionalidade deva ser entendida não como um malogro teórico ou doutrinário na observância de uma diretriz explicativa por parte de Aristóteles. Pelo contrário, a peculiaridade das teses avançadas na noética representa o reconhecimento e esforço por parte do Estagirita de dar conta de problemas que excedem o domínio estrito da psicologia e relacionam-se com a natureza do conhecimento intelectual e com a própria possibilidade e defesa do realismo filosófico. Embora não seja possível afirmar a total inexistência de lacunas e inconsistências, a teoria do intelecto mostra-se satisfatória quanto a seus propósitos principais, sendo também conciliável com a filosofia madura de Aristóteles.

Abstract: The present study intends to offer an interpretation of the problems concerning the intellect (noûs) that emerge in Aristotle?s De Anima. The analysis here undertaken follows the chapters devoted to intellectual capacity, in an attempt to formulate a reading that assumes the thematic and philosophical unity of the theory of human intellect. Aristotle?s project for Psychology basically consists in a hylomorphic analysis of the soul and its capacities, i.e. his approach intends to present a solution of the aporias engendered by both pure pre-Socratic materialism and the dualistic conception of soul-related phenomena stemming from an Aristotelian theoretical framework. The concepts of actuality and potentiality are particularly relevant, as well as the theory of causes and movement. This general purpose is carried out with reasonable coherence in the analyses concerning the overall relationship between soul and body, and concerning sense perception, despite interpretative disputes about the scope and meaning of hylomorphism in these cases. Contrastively, the theory of intellect is erected according to an approach that departs from the rigorous assumptions of hylomorphism, as the intellect is not understood as the actualization of some bodily structure. For some scholars, this difference represented a theoretical flaw that would ultimately cause Aristotle?s noetic theory to be anomalous, and completely irreconcilable with the rest of his philosophy. This exceptionality is here not understood as failure on part of Aristotle to follow explanatory guidelines. On the contrary, the peculiarity of his noetic theses represents his acknowledgement and efforts to account for problems that exceed the strict realm of Psychology, and relate to the nature of intellectual knowledge and to the very possibility and defense of philosophical realism. Even though a complete absence of gaps and inconsistencies may not be championed, the theory of intellect proves satisfactory as to its main purposes, being also reconcilable with Aristotle?s mature philosophy.