(De)colonialidade no currículo de biologia do ensino secundário geral em Timor-Leste

Abstract

A presente tese busca compreender e problematizar os efeitos de sentidos de colonialidade no processo de reestruturação do currículo de Biologia do Ensino Secundário Geral (ESG) em Timor-Leste, a partir de uma perspectiva discursiva, decolonial, crítica e antropofágica. Para tanto, foi realizada uma análise das condições de produção ampla e estrita. Em relação à ampla, destacamos as orientações dos documentos internacionais e nacionais para a elaboração dos documentos curriculares- plano curricular do ESG e o programa da disciplina de Biologia - e os Manuais dos Alunos (MA) do 10º, 11º e 12º ano. Na estrita, apontamos as entrevistas semiestruturadas com os professores timorenses de Biologia e os diretores do departamento de currículo do Ministério da Educação, os questionários com os gestores das escolas e a realização de círculos de leitura numa perspectiva discursiva e decolonial. Procurando compreender essas condições de produção, adotamos como referencial teórico e metodológico a Análise de Discurso - AD (francesa e brasileira) e o pensamento decolonial. Reconhecendo as diferenças históricas e epistemológicas entre essas abordagens teóricas, consideramos que o diálogo e o entrecruzamento entre a AD e o pensamento decolonial, numa perspectiva de enriquecimento mútuo e coabitação, possibilitou criarmos um terceiro espaço de análise, sendo este uma superação do que cada uma dessas perspectivas teóricas poderia proporcionar nesta pesquisa. O percurso teórico-metodológico percorrido, obteve os seguintes resultados: I) as tensões entre o nacional e o global na elaboração do plano curricular do ESG e do programa de Biologia, sendo compreendidas a partir da intertextualidade, textualização e colonialidade, que se manifestam mediante a coexistência de orientações, tanto de documentos nacionais como de natureza internacional; II) os desafios presentes na implementação do currículo do ESG, como a formação de professores e a infraestrutura das escolas de ESG, assim como as dificuldades enfrentadas com os MA, quanto ao uso da Língua Portuguesa, a organização dos conteúdos programáticos, a distribuição no território timorense e a descontextualização; III) a descontextualização das regularidades discursivas e das imagens nos MA, como resultado dos efeitos de colonialidade do saber, poder, ser e viver; IV) a realização de círculos de leitura com os professores timorenses de Biologia tornando- se um espaço intercultural crítico. Nesse espaço, por meio da exposição e discussão das fotografias registradas por esses professores, tornou-se possível compreender as histórias de leitura e a memória discursiva em jogo, de maneira que permitiu estabelecermos diálogos problematizadores e decolonizadores com esses interlocutores. A partir dos resultados obtidos, consideramos importante pensar numa perspectiva discursiva, decolonial, crítica e antropofágica desde o Sul, de modo que possamos valorizar, no ensino de Biologia, as experiências dos educadores e educandos timorenses e criar caminhos emancipatórios, sintonizados com a cultura e a realidade sócio-histórica desse país. Nessa direção, ressaltamos que esta pesquisa, além de analisar os efeitos de sentidos de colonialidade no processo de produção e implementação do currículo do ESG, buscou também propor espaços contra-hegemônicos que, mediante princípios como a horizontalidade, o diálogo e o enfoque decolonial, procuraram construir caminhos para pensar a formação dos professores de Biologia de forma contextualizada e a reestruturação do currículo do ESG numa via de mão dupla, repleta de conflitos, desafios e resistências.

Abstract : The present theses seeks to understand and problematize the effects from the sense of coloniality in the restructuring process of the Biology curriculum from the East Timor s General High School (GHS), from a discursive, decolonial, critic and anthropophagic perspective. To do so, an analysis of the broad and strict conditions has been made. In regards of the broad, we highlight the orientations of the national and international documents to formulate the curricular documents - General High School s curricular plan and the Biology s subject program - and the Student s Manuals (SM) from the 10th, 11th and 12th year. Regarding the strict, we indicate the semi structured interviews with the Timorese Biology teachers and the directors of the curriculum department from the Education Ministry, the surveys with the school s managers and the realization of reading circles in a discursive and decolonial perspective. Trying to understand these production conditions, we adopted as a theoretical and methodological reference the Speech Analysis SA (French and Brazilian) and the decolonial thoughts. Acknowledging the historical and epistemological differences between those theoretical approaches, we consider that the dialogue and the crisscross of the SA and the decolonial thought, in a perspective of mutual enrichment and cohabitation, has made possible for us to create a third analysis space, being an overrun of what each one of those theoretical perspectives could provide in this research. The theoretical-methodological course taken has obtained the following results: I) the tensions between the national and the global in the elaboration of the GHS curricular plan and the Biology s program, being understood from the intertextuality, textuality and coloniality, which are manifested through the coexistence both in the national and international documents; II) the challenges present in the implementation of the GHS curriculum such as the teacher s training and the GHS school s infrastructure, such as the difficulties faced with the SM, as to the use of the Portuguese Language, the organization of the program contents, the distribution of the Timorese territory and the decontextualization; III) the decontextualization of the discursive regularity and the SM s images as a result of the effects of the coloniality of knowledge, power, being and living; IV) the performance of reading circles with the Timorese Biology teachers becoming a critical intercultural space. In this space by the exposition and discussion of the photography registered by these teachers, it has become possible to comprehend the reading stories and the discursive memory at stake, in a way that it has allowed us to stablish problematizing and decolonializing dialogues with these partners. By the results obtained we consider important to think in a discursive, decolonial, critical and anthropophagical perspective from the South, in a war that we can appreciate in the Biology s education the experiences lived by the Timorese educators and learners and create emancipatory paths, attuned with the culture and the historical and social reality of this country. In this direction, we emphasize that this research, besides analyzing the effects of the coloniality sense in the process of production and implementation of the GHS curriculum, also has sought to propose counter-hegemonic spaces that, through principals such as the horizontality, the dialogue and the decolonial approach, has sought to build ways to think the Biology teacher s training in a contextualized form and the restructure os the GHS curriculum in a two-way street, filled with conflicts, challenges and resistance.