Abstract:
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Às vezes se encontram na língua certas expressões cuja forma cristalizada parece curiosamente desmentir o sentido a elas comumente dado. Seria o caso, por exemplo, da locução “achados e perdidos”: não seria melhor – mais “lógico”, digamos – escrever “perdidos e achados”, em que a conjunção “e” teria um valor adversativo, como a lembrar “perdido sim, mas (afortunadamente) achado”? No entanto, em “achados e perdidos” é como se a inversão apontasse para uma cadeia inexorável de eventos, uma circularidade aflitiva em que coisas são achadas, e perdidas, e achadas, para logo serem perdidas novamente, ad infinitum.
Brincadeiras à parte – se é que de brincadeira realmente se trata –, fica aqui anotada uma fixação pela perda, como aquilo que vem por último. E essa obsessão está longe de ser fortuita. A frustração não é só a de se ver enfim com as mãos vazias, pois mesmo diante de um resto, se este não nos diz nada, o vazio persiste. É o que acontece com artefatos desencavados, fragmentos de estátuas, quando nos falta o contexto ou a chave: eles se obstinam mudos. Coisas inertes, como inscrições antigas, em caracteres obscuros (mesmo que essa obscuridade se deva apenas à circunstância de terem esboroado); tanto que o adjetivo que se usa então é “morto”: línguas mortas. “Nós falamos com a voz que não temos, que jamais foi escrita. E a linguagem é sempre letra morta”, já foi dito. De todo modo, a ideia de que a escrita – e até mesmo a linguagem, em geral – perdeu o contato com o que era “vivo” é bastante difundida, bastando lembrar como Derrida escreveu um livro seminal em torno disso. |