A tutela jurídica de famílias LGBTI no Tribunal Europeu de Direitos Humanos: a gênese jurisprudencial de instrumentos de reconhecimento das uniões e casamentos homotransafetivos (1986-2023)

Abstract

Esta é uma pesquisa de Direito Internacional sobre os direitos de pessoas LGBTI, ambientada nas decisões do Tribunal Europeu de Direitos Humanos (TEDH) sobre uniões civis e casamentos homotransafetivos. Busca, assim, responder ao seguinte problema de pesquisa: quais as maneiras de pensar os direitos de famílias LGBTI, presentes nas decisões do TEDH, em relação ao reconhecimento das uniões civis e dos casamentos homotransafetivos? A pesquisa justifica-se pela pouca produção científica existente sobre direitos LGBTI em âmbito internacional, assim como imprescindibilidade de se compreender como instituições de direitos humanos têm atuado para combater o vácuo existente pela ausência de tratados e convenções internacionais de proteção específica para pessoas LGBTI. A partir da metodologia da Teorização Fundamentada nos Dados, ou Grounded Theory, não há uma hipótese pré-estabelecida pelo projeto de pesquisa, na verdade, busca-se construí-la a partir dos dados analisados nas três fases de categorização: aberta, axial e seletiva. Trata-se de uma pesquisa predominantemente indutiva, na qual, como o próprio nome infere, elabora-se uma proposta teórica a partir das categorias encontradas nas decisões. Nas fases aberta e axial, foram encontradas as seguintes categorias na jurisprudência do TEDH: (1) a visão patológica da transexualidade, (2) foco em transexuais que realizaram a cirurgia de redesignação sexual, (3) o impedimento biológico implica no impedimento jurídico, (4) homossexuais são tão capazes de formar uma família quanto heterossexuais, (5) a proteção da família tradicional, (6) a concessão de direitos pela via contratual não é suficiente, (7) o peso do consenso e (8) o movimento da margem de apreciação. Na fase de codificação seletiva, em que se responde ao problema formulado, chegou-se ao resultado que o TEDH pensa o direito à união civil e ao casamento homotransafetivos com uma perspectiva heteronormativa, através da concepção da transexualidade como uma patologia, da cirurgia como seu tratamento e do reconhecimento de famílias LGBTI somente a partir da sua capacidade de assemelharem-se à família tradicional. Esta é considerada a original, assim como a própria heterossexualidade e cisgeneridade são consideradas como a humanidade original. A partir da Teoria Queer, assim, foi possível verificar que a maneira de pensar o direito à família de pessoas LGBTI, do TEDH, reproduz e reforça a heteronormatividade, ao colocar a heterossexualidade, a cisgeneridade e a família tradicional como o padrão, a humanidade original; enquanto pessoas LGBTI são tidas como anormais, patológicas, um desvio da natureza humana.

This is a study in International Law on the rights of LGBTI people, based on decisions of the European Court of Human Rights (ECtHR) concerning homotransaffetive civil unions and marriages. It seeks, thus, to answer the following research problem: what are the ways of thinking about the rights of LGBTI people, found in ECtHR decisions, that regard the recognition of homotransaffective civil unions and marriages? The study is justified by the small scientific production currently existing about LGBTI rights on the international level, as well as the indispensability of understanding how human rights institutions have acted to fight the vacuum caused by the lack of international treaties and conventions for protections specific to LGBTI people. Following the Grounded Theory-based methodology, there is no hypothesis pre-established by the research project, rather, we seek to build it from data analyzed in the three phases of coding: open, axial, and selective. This is a mainly inductive study, in which, as the name suggests, a theoretical proposal is formulated from the categories found in the decisions. In the open and axial phases, the following categories have been found in ECtHR jurisprudence: (1) the pathological view of transexuality, (2) a focus on transsexual people who have undergone sex reassignment surgery, (3) biological impediment implies legal impediment, (4) homosexual people are as capable of forming a family as heterosexual people, (5) the protection of the traditional family, (6) the granting of rights via the contractual way is insufficient, (7) the weight of consensus, and (8) the moving of the margin of appreciation. In the selective phase of coding, wherein the formulated problem is answered, we have found that the ECtHR conceive of the right to homotransaffective civil union and marriage under a heteronormative perspective, by conceiving of transsexuality as a pathology, of surgery as its treatment, and of the recognition of LGBTI families only insofar as they are able to resemble the traditional family. The latter is considered the original, just as heterosexuality and cisgenderedness themselves are deemed as the original humanity. Thus, based on Queer Theory, it can be seen that the ECtHR?s way of thinking about LGBTI people?s right to family reproduces and reinforces heteronormativity, by holding heterosexuality, cisgenderedness and the traditional family as the standard, the original humanity; meanwhile, LGBTI people are taken to be abnormal, pathologic, a deviation from human nature.