Programas de alimentação escolar na América Latina: análise comparativa do atendimento a povos indígenas

Abstract

Introdução: A expansão europeia no continente americano trouxe consequências drásticas para as populações nativas. Há evidências de impactos negativos decorrentes desse contato sobre suas estratégias de subsistência e estado nutricional e reconhece-se na literatura científica que a sua situação de saúde é pior quando comparada com aquela da sociedade envolvente. Nas últimas décadas, medidas legais nacionais e internacionais têm contribuído para o fortalecimento da identidade étnica desses povos. Por sua vez, os movimentos indígenas tiveram influência na elaboração de documentos oficiais do Estado, fazendo com que as políticas voltadas para esses povos passassem a tomar novos rumos. Devido ao contexto histórico e à situação epidemiológica dos povos indígenas na América Latina, ressalta-se a importância de que programas públicos como o de alimentação escolar auxiliem na promoção da equidade, direcionando recursos para os segmentos da sociedade que apresentem as piores condições de vida. A preocupação que motivou este trabalho deriva da observação de que há poucos estudos e discussões sobre o atendimento a povos indígenas no âmbito da alimentação escolar na América Latina. Considerando que esta região abriga pelo menos 45 milhões de indígenas que vivem em pior situação de saúde e nutrição que os membros das sociedades envolventes e que praticamente todos os países da região possuem programas de alimentação escolar, é relevante a tentativa de preencher essa lacuna na literatura comparativa. Método: A pesquisa de cunho bibliográfico envolveu a análise de trabalhos científicos, do arcabouço legal dos programas de alimentação escolar de abrangência nacional da América Latina e de outros documentos oficiais buscando identificar componentes relacionados ao atendimento a povos indígenas. Principais resultados: A análise dos dados permitiu entrever situação de invisibilidade dos povos indígenas no âmbito da alimentação escolar na América Latina. A escassez de dados refere-se tanto a trabalhos científicos quanto a dados em relatórios e estudos de caso de organismos internacionais. Além disso, diferentes documentos apresentam dados contraditórios sobre determinados componentes dos programas, o que constitui mais uma barreira para a construção de um panorama fidedigno da alimentação escolar indígena na região. Identificou-se, ainda, que a maioria dos países latino-americanos contemplados na pesquisa não possuem marcos normativos da alimentação escolar. Dentre os componentes analisados nos normativos consultados, verificou-se que a proposta de respeito à cultura e aos hábitos alimentares dos beneficiários atendidos pelo programa é o mais presente, entretanto, sem mencionar as especificidades dos povos indígenas. O incentivo à produção local indígena foi identificado em apenas dois programas, ao mesmo em que verificou-se que a maioria dos países latino-americanos ainda não possuem as bases para a construção da relação entre agricultura familiar e alimentação escolar. O tema da representatividade indígena nas instâncias de controle social dos programas é ainda incipiente, bem como considerações a respeito de repasse diferenciado para o atendimento a povos indígenas e minorias étnicas. Considerações finais: O presente trabalho evidenciou a importância do atendimento juridicamente reconhecido a povos indígenas em seus territórios, como também a necessidade de atenção adaptada socioculturalmente para cada um dos grupos e etnias atendidos, a importância da inserção produtiva desses indivíduos, a necessidade de incentivo à representatividade indígena nas instâncias de controle social e, por fim, a relevância de se adotar valor de repasse financeiro diferenciado para povos indígenas e minorias étnicas no âmbito da alimentação escolar. Ainda, forneceu evidências de que mais estudos devem ser realizados em contextos indígenas, incluindo aqueles de avaliação da execução dos programas de alimentação escolar na América Latina.

Abstract : Introduction: European expansion on the American continent has had drastic consequences for native populations. There is evidence of negative impacts resulting from this contact on their subsistence strategies and nutritional status and it is recognized in the scientific literature that their health situation is worse when compared to that of the surrounding society. In the last decades, national and international legal measures have contributed to the strengthening of the ethnic identity of these peoples. The indigenous movements had influence in the elaboration of official documents, causing that the policies directed to these peoples began to take new directions. Due to the historical context and the epidemiological situation of indigenous peoples in Latin America, it is important to emphasize the importance of public programs such as school feeding to promote equity by directing resources to those segments of society that present the worst conditions of life. The concern that motivated this work stems from the observation that there are few studies and discussions about the assistance to indigenous peoples in the field of school feeding in Latin America. Considering that this region is home to at least 45 million indigenous people who live in a poorer health and nutrition situation than members of surrounding societies and that practically all countries in the region have school feeding programs, it is relevant to attempt to fill this gap in the comparative literature. Method: The bibliographic research involved the analysis of scientific papers, of the legal framework of school feeding programs in Latin America and other official documents seeking to identify components related to the care of indigenous peoples. Main results: The analysis of the data allowed a glimpse of the invisibility situation of indigenous peoples in the field of school feeding in Latin America. The scarcity of data refers to both scientific papers and data in reports and case studies of international organizations. In addition, different documents present contradictory data on certain components of the programs, which is yet another barrier to building a credible picture of indigenous school feeding in the region. It was also identified that the majority of the Latin American countries included in the research do not have regulatory frameworks for school feeding. Among the components analyzed in the consulted normatives, it was verified that the proposal of respect to the culture and eating habits of the beneficiaries attended by the program is the most present, however, without mentioning the specificities of the indigenous peoples. The incentive to local indigenous production was identified in only two programs, while it was found that most Latin American countries still do not have the basis for building the relationship between family farming and school feeding. The issue of indigenous representativeness in the instances of social accountability of the programs is still incipient, as well as considerations regarding the differentiated transfer of assistance to indigenous peoples and ethnic minorities. Final considerations: The present study evidenced the importance of legally recognized assistance to indigenous peoples in their territories, as well as the need for socio-culturally adapted care for each of the groups and ethnic groups covered by the school feeding programs, the importance of the productive insertion of these individuals, the need to encourage indigenous representativeness in the instances of social accountability and, finally, the relevance of adopting differentiated financial transfer value for indigenous peoples and ethnic minorities in the field of school feeding. Furthermore, it provided evidence that further studies should be carried out in indigenous contexts, including those evaluating the implementation of school feeding programs in Latin America.