Avaliação das condições para o acesso à alimentação adequada nos municípios de Santa Catarina

Abstract

A segurança alimentar e nutricional é composta pelas dimensões de acesso, disponibilidade, utilização, estabilidade e, de modo mais recente, controle social e sustentabilidade, resultantes das condições estabelecidas por determinantes sociais, econômicos e políticos, presentes em níveis internacionais, nacionais, locais, domiciliares e individuais. A dimensão de acesso envolve questões relacionadas à disponibilidade física do alimento e à capacidade econômica para obtenção da alimentação adequada. O cenário atual demarcado por um conjunto sobreposto de crises política, econômica, social e sanitária, tem impactado negativamente sobre o acesso à alimentação adequada, com consequência direta sobre a segurança alimentar e nutricional da população brasileira. Dados do II Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19 no Brasil, referentes ao ano de 2021 e 2022, estimaram que 125,2 milhões de brasileiros vivam com algum grau de insegurança alimentar, e 33,1 milhões estavam em situação de fome. Reduzir os níveis de fome e garantir o direito humano à alimentação e nutrição adequadas, exige que diferentes políticas públicas sejam formuladas, implementadas e consolidadas com base nas melhores informações disponíveis. Nesse sentido, os estudos avaliativos possuem o potencial de contribuir com a tomada de decisão frente às políticas públicas, ao apontar de forma objetiva e cientificamente organizada, aspectos a serem melhorados para promover condições de acesso à alimentação adequada. Atualmente, são escassas as pesquisas avaliativas envolvendo as políticas de segurança alimentar e nutricional. Assim, com o intuito de qualificar o debate e as ferramentas de avaliação e governança da segurança alimentar e nutricional, assim como contribuir com a tomada de decisão referente às políticas públicas em um contexto de crises e transformações sociais, esta pesquisa teve por objetivo avaliar as condições para o acesso à alimentação adequada em âmbito local e sua associação com características de contexto territorial, econômico, demográfico e político. Trata-se de uma pesquisa avaliativa, conduzida por meio de um estudo ecológico com caráter exploratório-descritivo e abordagem quantitativa, realizado nos 295 municípios do estado de Santa Catarina, que se destaca dentre os três maiores Índices de Desenvolvimento Humano e Produto Interno Bruto do país. A coleta e análise dos dados foi conduzida por meio de uma matriz avaliativa composta por 2 subdimensões: acessibilidade e renda, 5 indicadores e 16 medidas. A matriz foi pactuada em duas oficinas de consenso com 11 especialistas e com duração total de 8 horas. Os parâmetros para avaliação de cada um dos componentes da matriz foram definidos com base na literatura, ou então, por meio de intervalos interquartis para demonstrar diferenças entre as unidades de análise, quando da inexistência de referencial teórico e impossibilidade de distribuição quartil dos resultados. Os parâmetros permitiram classificar cada município segundo os juízos de valor bom, regular ou ruim, para cada um dos elementos da matriz. Os juízos de valor foram estabelecidos de acordo com a literatura encontrada, para os casos em que estas não foram localizadas utilizou-se a divisão quartilhar ou por equações que permitissem a expressão de diferenças entre as unidades de análise. Os dados necessários para a aplicação da matriz de avaliação foram coletados em diferentes sistemas de informação públicos e de acesso livre, que disponibilizavam informações desagregadas para o nível municipal. Os dados foram coletados em 2022, considerando a informação mais recente disponível em cada sistema. Nos procedimentos de análise dos dados foram aplicados testes de análise bivariada pelo Qui-quadrado para associação entre as condições de acesso à alimentação adequada e as características de contexto local, a saber: mesorregião do estado; Produto Interno Bruto per capita; porte populacional; e adesão ao Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (SISAN). As associações com valor de p<0,05 foram consideradas significativas. Os resultados indicaram condições ruins para o acesso à alimentação adequada em 89,2% dos municípios avaliados. As condições de Acessibilidade foram consideradas ruins para 81,4% dos municípios, enquanto 58,3% foram avaliados com ruins para as condições de Renda. Em ambas subdimensões, a prevalência de municípios avaliados com bons foi irrisória. A insuficiência de Equipamentos Públicos de SAN, a renda insuficiente proveniente do trabalho formal, a existência de desigualdades de gênero, cor de pele/raça relacionadas à ocupação dos postos de trabalho formal e de renda, os elevados níveis de pobreza e extrema pobreza, e a baixa cobertura dos programas de transferência de renda, foram os principais problemas identificados pelo estudo e que prejudicam o acesso à alimentação adequada nos municípios. Além disso, os municípios com maior porte populacional (p<0,001), maior Produto Interno Bruto per capita (p=0,000) e pertencentes às mesorregiões da Grande Florianópolis e Norte Catarinense (p=0,003), apresentaram associação com melhores condições de Renda, enquanto as condições de Acessibilidade demonstraram associação significativa apenas com os municípios pertencentes às mesorregiões Serrana e Sul Catarinense (p=0,030). O fato de o município estar aderido ou não ao SISAN não mostrou associação com as condições de acesso à alimentação adequada e com as subdimensões Acessibilidade e Renda. A retomada de políticas e programas de promoção do acesso à alimentação torna-se urgente diante do cenário nacional marcado pela fome nos qual mais de 337,5 mil pessoas em Santa Catarina vivem sem condições materiais para obter alimentos. Esta avaliação das condições de acesso à alimentação adequada pode contribuir para a compreender o aumento da insegurança alimentar em nível local e permitirá o monitoramento para superação das condições atuais.

Abstract: Food and nutritional security are comprised of the dimensions of access, availability, utilization, stability, and, more recently, social control and sustainability, resulting from the conditions established by social, economic, and political determinants present at international, national, local, household, and individual levels. The access dimension involves issues related to the physical availability of food and the economic capacity to obtain adequate nutrition. The current scenario marked by an overlapping set of political, economic, social, and health crises has negatively impacted access to adequate nutrition, with a direct consequence on the food and nutritional security of the Brazilian population. Data from the National Survey on Food Insecurity in the Context of the Covid-19 Pandemic in Brazil, for the year 2022, estimated that 125.2 million Brazilians live with some degree of food insecurity, and 33.1 million were in a situation of hunger. Reducing hunger levels and ensuring the human right to adequate food and nutrition requires different public policies to be formulated, implemented, and consolidated based on the best available information. In this sense, evaluative studies have the potential to contribute to decision-making in public policies, by objectively and scientifically pointing out aspects to be improved to promote access to adequate nutrition. Currently, evaluative research involving food and nutritional security policies is scarce. Thus, with the aim of qualifying the debate and the evaluation and governance tools of food and nutritional security, as well as contributing to decision-making regarding public policies in a context of crises and social transformations, this research aimed to evaluate the conditions for access to adequate nutrition at the local level and its association with territorial, economic, demographic, and political context characteristics. It is evaluative research conducted through an exploratory-descriptive ecological study and a quantitative approach, carried out in the 295 municipalities of the state of Santa Catarina, which stands out among the three highest Human Development Index and Gross Domestic Product states in the country. Data collection and analysis were conducted through an evaluative matrix composed of 2 sub-dimensions: accessibility and income, 5 indicators, and 16 measures. The matrix was agreed upon in two consensus workshops with 11 specialists, with a total duration of 8 hours. The parameters used to evaluate each component of the matrix were defined based on the literature or through interquartile ranges or arbitrary means in the absence of a theoretical reference and impossibility of quartile distribution of results. The parameters allowed for the classification of each municipality according to good, regular, or poor judgments for each element of the matrix. The data necessary for the application of the evaluation matrix were collected from different public information systems with freely accessible disaggregated information at the municipal level. The data were collected in 2022, considering the most recent information available in each system. Bivariate analysis tests were also applied by Chi-square for association between access to adequate food conditions and local context characteristics, namely: state mesoregion; per capita Gross Domestic Product (GDP); population size; and adherence to the National Food and Nutrition Security System. Associations with a p-value of <0.05 were considered significant. The results indicated poor conditions for access to adequate food in 89.2% of the evaluated municipalities. Accessibility conditions were considered poor for 81.4% of the municipalities, while 58.3% were evaluated as poor for income conditions. In both sub-dimensions, the prevalence of municipalities evaluated as good was negligible. The insufficient public SAN equipment, insufficient income from formal work, gender and skin color/race inequalities related to formal job occupation and income, high levels of poverty and extreme poverty, and low coverage of income transfer programs were the main problems identified by the study that hindered access to adequate food in municipalities. Additionally, municipalities with larger population sizes (p = 0.000), higher per capita GDP (p = 0.000), and belonging to the mesoregions of Greater Florianopolis and Northern Santa Catarina (p = 0.003) were associated with better Income conditions, while Accessibility conditions demonstrated significant association only with municipalities belonging to the Serrana and Sul Santa Catarina mesoregions (p = 0.030). The fact that the municipality was adhered or not to the National Food and Nutrition Security System (SISAN) did not show association with access to adequate food conditions and with the Accessibility and Income sub-dimensions. The revival of policies and programs to promote access to food becomes urgent in the face of 15.5 million people living with hunger and without material conditions to obtain food. This assessment of access to adequate food conditions can contribute to understanding the increase in food insecurity in Brazil and will allow for monitoring to overcome current conditions.