Uma literatura incômoda: a narrativa da violência de gênero entre a ficção de Elena Ferrante e o processo penal

Abstract

A presente monografia tem como objeto analisar a representação literária da violência de gênero na obra Um amor incômodo de Elena Ferrante, pensando a intersecção da literatura com o direito para o julgamento com perspectiva de gênero. O objetivo é investigar de que maneira pode a literatura escrita por mulheres, e que representa a violência de gênero, ser ferramenta de ampliação das lentes dos atores processuais. Em um primeiro momento, após a introdução, se faz uma retomada conceitual para relacionar direito e literatura sob a ótica de gênero. No segundo capítulo, são analisados os personagens, os eventos e os elementos literários que evidenciam a representação da violência de gênero, bem como o trauma decorrente de tal experiência, na obra Um amor incômodo. Por fim, no capítulo dedicado ao estudo de caso, é investigado de que forma pode o processo penal ser utilizado como uma ferramenta de revitimização e de violência institucional de gênero. Para tal, utilizou-se como objeto de análise as decisões do Recurso em Sentido Estrito e dos Embargos Infringentes proferidas pelo Tribunal de Justiça de Santa Catarina, nos anos de 2015 e 2016, relativas a fatos ocorridos no ano de 2014. À acusada foram imputados crimes de posse ilegal de arma e homicídio qualificado cometido contra o ex-companheiro. Mesmo ante o comprovado contexto de violência doméstica e, por isso, do pedido de absolvição sumária com fundamento na legítima defesa, o Tribunal optou por submetê-la a julgamento pelo Tribunal do Júri. O estudo é realizado pelo método hipotético-dedutivo, através de pesquisa bibliográfica. A análise da obra é feita a partir do direito na literatura, ao passo que o estudo de caso é feito através do método feminista da “pergunta pela mulher”. Dessa forma, conclui-se que, sendo o Poder Judiciário também reprodutor da violência de gênero, o processo penal serve como mais uma forma de controle às mulheres quando fogem elas aos estereótipos já estabelecidos. Assim, a literatura surge como uma potencialidade para a ampliação das lentes das magistradas e magistrados para que enfim se caminhe a uma real justiça de gênero.

This monograph aims to analyze the literary representation of gender violence in Elena Ferrante's work "Troubling Love," considering the intersection of literature with the law for gender perspective judgment. The goal is to investigate how literature written by women, which portrays gender violence, can be a tool for expanding the perspectives of legal actors. Initially, after the introduction, there is a conceptual review to relate law and literature from a gender perspective. In the second chapter, characters, events, and literary elements that highlight the representation of gender violence, as well as the trauma resulting from such experiences, are analyzed in the work "Troubling Love." Finally, in the chapter dedicated to the case study, the inquiry focuses on how criminal proceedings can be used as a tool for revictimization and institutional gender violence. To this end, the decisions of the criminal appeals issued by the Court of Justice of Santa Catarina in 2015 and 2016 were used as the object of analysis, relating to events that occurred in 2014. The accused was charged with illegal possession of a weapon and qualified homicide committed against her ex-partner. Despite the proven context of domestic violence and, therefore, the request for summary acquittal based on self-defense, the Court chose to subject her to trial by jury. The study is conducted through the hypothetical-deductive method, using bibliographic research. The analysis of the work is carried out from the perspective of law in literature, while the case study is approached through the feminist method of "asking about the woman." In this way, it is concluded that, as the Judiciary is also a reproducer of gender violence, criminal proceedings serve as another form of control over women when they deviate from established stereotypes. Thus, literature emerges as a potentiality to broaden the perspectives of judges so that we may ultimately move towards real gender justice.