Lei Ordinária nº 11.134/2024 do município de Florianópolis/SC: análise quanto aos fundamentos para a regulamentação da internação involuntária de pessoas em situação de rua

Abstract

O presente trabalho analisa os documentos e discursos legislativos referentes à aprovação do Projeto de Lei nº 19.044/2024, que culminou na promulgação da Lei Ordinária nº 11.134/2024, com o objetivo de verificar se a regulamentação da internação involuntária de pessoas em situação de rua possui como pretensão questões que extrapolam sua justificativa formal. Utilizando o método dedutivo e pesquisa de natureza qualitativa, com base em análise documental e bibliográfica, o estudo analisa as principais disposições da legislação mencionada; o histórico da internação de indivíduos em sofrimento psíquico e drogodependentes no Brasil; e diferencia a internação involuntária das demais modalidades previstas no ordenamento jurídico. Logo após, compreende-se de forma geral o fenômeno população em situação de rua, indicando suas especificidades e dados quantitativos relevantes, bem como situando sua vulnerabilização como um fenômeno histórico. Em seguida, após breve exposição sobre o contexto social que ensejou a proposição do Projeto de Lei nº 19.044/2024, e sobre a tramitação da proposta na Câmara Municipal, os documentos e discursos legislativos são analisados a partir da teoria do etiquetamento social e dos conceitos de higienismo, gentrificação e sistema penal paralelo, concluindo-se que a normativa, de fato, possui objetivos distintos daqueles formalmente apresentados. Apesar de se tratar de legislação que pretende fornecer atendimento médico especializado, utilizando a expressão "internação humanizada", os documentos e discursos analisados revelam o "etiquetamento" de determinados indivíduos, aos quais são atribuídos comportamentos observados em toda a sociedade, mas que, apenas em determinados casos, atraem o controle estatal. Ademais, percebe-se se tratar de normativa higienista, uma vez que representa o desejo de remoção dos indesejados do convívio social pela via da institucionalização, medida patologizante historicamente utilizada como ferramenta de controle do espaço urbano. Foram, também, identificadas pretensões de que sejam implementadas medidas que dificultem o acesso da população em situação de rua a serviços gratuitos, prejudicando seu deslocamento na cidade, o que, na prática, resultaria no fenômeno da gentrificação, afastando tal população de determinados espaços. Por fim, considerou-se a regulamentação da internação involuntária de pessoas em situação de rua como uma expressão do sistema penal paralelo, instrumento de controle social que atua na legalidade, por meio de agências que não possuem manifesta função punitiva, mas que, na prática, reproduzem a lógica do sistema penal, aplicando medidas com efeito semelhante ao das penas criminais.

This monograph analyzes the documents and legislative speeches relating to the approval of Bill n. 19.044/2024, which culminated in the enactment of Ordinary Law n. 11.134/2024, with the aim of verifying whether the regulation of the involuntary hospitalization of homeless people is intended to address issues that go beyond its formal justification. Using the deductive method and qualitative research, based on documentary and bibliographic analysis, the study analyzes the main provisions of the aforementioned legislation; the history of hospitalization of individuals in psychological distress and drug addicts in Brazil; and differentiates involuntary hospitalization from other modalities provided for in the legal system. Next, a general understanding is given of the phenomenon of the homeless population, indicating its specificities and relevant quantitative data, as well as situating its vulnerability as a historical phenomenon. Then, after a brief explanation of the social context that led to the proposal of Bill n. 19.044/2024, and the proceedings of the proposal in the City Council, the legislative documents and speeches are analyzed based on the theory of social labelling and the concepts of hygienism, gentrification and the parallel penal system, concluding that the legislation in fact has objectives that are different from those formally presented. Although the legislation aims to provide specialized medical care, using the expression “humanized hospitalization”, the documents and speeches analyzed reveal the “labeling” of certain individuals, to whom behaviors observed throughout society are attributed, but which only attract state control in certain cases. Furthermore, it is clear that these are hygienist regulations, since they represent the desire to remove the undesirable from social life through institutionalization, a pathologizing measure historically used as a tool to control urban space. We also identified plans to implement measures that would make it difficult for the homeless population to access free services, hindering their movement around the city, which in practice would result in the phenomenon of gentrification, removing them from certain spaces. Finally, we considered the regulation of involuntary hospitalization of homeless people as an expression of the parallel penal system, an instrument of social control that acts legally, through agencies that do not have a clear punitive function, but which, in practice, reproduce the logic of the penal system, applying measures with an effect similar to that of criminal penalties.